Ir para o Conteúdo da página Ir para o Menu da página

Como você avalia a
experiência em nosso site?

x
Avaliacao

Ruim

Ótima

Whatsapp

NOTÍCIAS

Sem Foto

20-10-2023 

SAFs e a essencialidade na reestruturação do passivo

Desde a promulgação da Lei 14.193/2021 (LSAF), a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) tem sido um assunto em alta nos clubes de futebol e nos diários esportivos. Diariamente são noticiados clubes que estão planejando a constituição da SAF, como por exemplo, o Athletico Paranaense e o Fortaleza, ou que já a constituíram, como o Cruzeiro, o Vasco, o Botafogo, o Bahia, o Coritiba e o Cuiabá.

A questão problemática é o passivo advindo do clube-associação. Por conta de más gestões anteriores, diversos clubes se encontram endividados, e com isso, são obrigados a escolher quais obrigações serão pagas e quais ficarão "para uma próxima", acarretando o aumento do endividamento.

Nesse cenário, a constituição da SAF é extremamente desvantajosa e perigosa para os clubes-associações, pois quanto maior a dívida, menor será o valor líquido do clube. Além disso, existe uma elevada possibilidade dos credores, especialmente aqueles trabalhistas, tentarem responsabilizar a SAF e o eventual investidor pelas dívidas da associação, o que, apesar da limitação imposta pela lei, nem sempre é observado pelo Poder Judiciário, em especial quando se trata de dívidas trabalhistas e fiscais.

Um exemplo infeliz disso ocorreu com o Cruzeiro: um ex-preparador de goleiras do clube apresentou uma reclamação trabalhista demandando a associação Cruzeiro e o Cruzeiro Sociedade Anônima do Futebol (SAF) [1]. O Juízo da 12ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte declarou a existência de grupo econômico entre a associação e a SAF, e condenou a sociedade empresária solidariamente ao pagamento das verbas laborais.

Essencialidade da reestruturação do passivo
Ciente dessa realidade dos clubes, a Lei 14.193/2021 permitiu que os clubes-associação se valessem da recuperação judicial e extrajudicial. Em breves palavras, esses instrumentos visam a reestruturação completa da atividade exercida, especialmente do endividamento, por meio de um plano de recuperação, o qual, uma vez aprovado pela maioria dos credores, vincula todos aqueles submetidos ao processo de soerguimento, inclusive os credores que discordaram do plano.

Esse plano de recuperação pode prever amplos meios de reestruturação: deságio, parcelamento, pagamento em ativos, venda de ativos com o produto sendo revertido aos credores, conversão da dívida em capital social, emissão de títulos mobiliários, dentre diversos outros.

Vários credores se insurgiram contra a possibilidade de os clubes pedirem recuperação judicial ou extrajudicial, mas a jurisprudência dos Tribunais já assentou a legitimidade deles. Nesse sentido, oportuno destacar recente julgado da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça São Paulo, chancelando o pedido de recuperação judicial do Guarani:

Recuperação judicial — Pedido ajuizado por clube de futebol, que ostenta a natureza jurídica de associação civil — Deferimento do processamento do procedimento concursal — Observância das regras especiais insertas nos artigos 13, inciso II e 25 da Lei 14.193/2021 — Foi facultada, expressamente, em caráter excepcional, a possibilidade de um clube organizado para a promoção do futebol profissional, diante da especificidade da atividade esportiva em crise, requerer a concessão de recuperação judicial — A constituição de uma sociedade anônima de futebol não pode ser exigida como uma condição para o ajuizamento do pedido, tal qual a promoção de prévio registro perante Junta Comercial — Legitimidade ativa presente — Decisão mantida — Recurso desprovido. (TJ-SP; Agravo de Instrumento 2061122-77.2023.8.26.0000; relator (a): Fortes Barbosa; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Campinas — 7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 19/05/2023; Data de Registro: 19/05/2023).

Com essa mesma orientação, vale destacar os julgados de outros estados: TJ-SC — Agravo e Instrumento nº 5035119-25.2022.8.24.0000; TJ-PR — Agravo de Instrumento nº 0047489-46.2022.8.16.0000; TJ-MG — Agravo de Instrumento nº 1.0000.22.268854-1/001.

Dessa forma, vários clubes-associação já fizeram o pedido de recuperação judicial e estão obtendo sucesso na reestruturação:

— Joinville Esporte Clube: obteve a homologação do plano pelo Juízo recuperacional e concessão da recuperação judicial [2];

— Coritiba Football Club: obteve a homologação do plano pelo juízo recuperacional e concessão da recuperação judicial [3];

— Associação Chapecoense de Futebol: obteve a homologação do plano pelo Juízo recuperacional e concessão da recuperação judicial [4];

— Cruzeiro Esporte Clube: obteve a homologação do plano pelo Juízo recuperacional e concessão da recuperação judicial [5];

Com a dívida reestruturada, o valor líquido da SAF aumenta e, por consequência, a sociedade se torna mais atrativa para o investidor, ante a maior segurança de que ele não será responsabilizado pelas dívidas da associação. Isso foi o que ocorreu com o Coritiba, que após a homologação do plano e a concessão da recuperação judicial concretizou a venda de parte das ações da SAF para um investidor estrangeiro pelo valor de R$ 1,1 bilhão.

Reestruturação prévia à SAF

O episódio ocorrido com o Cruzeiro expõe a necessidade de os clubes reorganizarem o seu passivo antes da constituição da SAF. Independente da operação societária escolhida para constituição, é premente que o clube, enquanto associação, reestruture seu passivo pela recuperação judicial ou extrajudicial, instrumentos que a própria Lei da SAF autoriza o clube-associação utilizar.

Dessa forma, com um passivo reestruturado, é estabelecida a necessária proteção contra eventuais arbitrariedades do Poder Judiciário, em especial da Justiça do Trabalho, ao evitar a extensão da responsabilidade pelas dívidas pretéritas. Assim, as operações societárias em expansão no cenário nacional, ganham uma maior previsibilidade e mantém a sua crescente atratividade no mercado interno e externo.

 

[1] Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. 12ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte. Reclamação Trabalhista nº 0010052-44.2022.5.03.0012.

[2] Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Processo nº 020747-54.2022.8.24.0038.

[3] Tribunal de Justiça do Paraná. Processo nº 0001540-26.2022.8.16.0185.

[4] Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Processo nº 5001625-18.2022.8.24.0018.

[5] Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Processo nº 5145674-43.2022.8.13.0024.

 

Fonte: Conjur.

Perguntas e respostas

Sem Foto