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19-12-2023 

Renovação do pedido de recuperação judicial: razões e legalidade

Nos últimos tempos, tornou-se cada vez mais comum a propositura de pedidos de recuperação judicial de empresas que no passado (e às vezes não tão distante) já se valeram do instituto.

O tema, em um primeiro momento, gera perplexidade na medida em que, se o objetivo da lei é permitir que uma empresa em dificuldade ultrapasse uma situação de crise, soa estranho que tão logo encerre o processo de recuperação judicial ingresse com novo pleito em que busca, novamente, o benefício legal.

Essa perplexidade não pode, no entanto, produzir a precipitada conclusão de que essa conduta demonstra uma crise permanente e irreversível, e não temporária, o que inviabilizaria o soerguimento. Assim, o caminho seria o indeferimento ou, a depender dos requisitos para tanto, a falência.

Em nosso entender, a questão deve ser analisada sob o ponto de vista das razões que conduzem a esse fenômeno, bem como de sua legalidade.

Quanto ao primeiro ponto, é interessante partir de um fenômeno que se tornou absolutamente comum no processo de recuperação judicial. A lei nem sempre deve ser aplicada em seu sentido literal.

Com efeito, o parágrafo 1º do artigo 61 da Lei 11.101/2005 é expresso no sentido de que, se o plano de recuperação judicial aprovado e homologado não for cumprido, deve ser decretada a quebra.

Todavia, em nome da preservação da empresa, tornou-se corriqueiro que sejam tolerados alguns atrasos e descumprimentos pontuais desde que se verifique a possibilidade de regularização da situação.

Não poucas vezes, no decorrer do processo de recuperação judicial, a recuperanda pleiteia a apresentação de um novo plano (ainda que já exista um aprovado e homologado), ensejando a convocação de uma nova assembleia de credores. Esses pedidos são comumente deferidos em nome do princípio da preservação da empresa. Mais do que isso, esses novos planos são muitas vezes aprovados e homologados.

Qual a razão dos credores aprovarem sucessivos planos de recuperação judicial? Não seria mais lógico termos debates mais efetivos a respeito do plano e, quando aprovado, seu descumprimento conduzisse à falência, tal como preconizado pela literalidade da norma?

A essas perguntas nos parece que a resposta é simples. Os credores, muitas vezes, aprovam um plano de recuperação judicial porque é aquele que atende aos interesses daquele momento e não necessariamente o ideal ou o exequível.

Aliás, não é raro nos deparamos com a aprovação de planos que, como regra de experiência, sabemos que é extremamente provável que em curto espaço de tempo um novo plano deva ser apresentado. E nada pode fazer o Juízo vez que, segundo o entendimento pacificado nas instâncias superiores, não deve analisar a viabilidade econômica do plano.

Isso significa que os credores, pelas mais variadas razões (ajustar o balanço, garantir o bônus, esperar que a situação melhore, ineficiência da falência, entre outras) e a despeito do texto expresso de lei, ao aprovarem planos inexequíveis sabem e toleram que dentro da mesma recuperação judicial sejam aprovados sucessivos planos de recuperação judicial.

Em alguns casos, o mesmo fenômeno se projeta na chamada renovação da recuperação judicial.

Com efeito, ultrapassado o prazo de supervisão legal e preenchidos os requisitos legais, o Juízo extingue a recuperação judicial e o plano deverá continuar a ser cumprido; se não o for, a lei permite que os credores requeiram, por meio de novo processo, a falência. E, diante dessa possibilidade, os devedores inadimplentes pleiteiam nova recuperação judicial.

É claro que pode ocorrer que uma empresa requeira recuperação judicial e, no futuro, sobrevenha outra crise e ela venha a se socorrer novamente do remédio legal.

Todavia, não poucas vezes a empresa, mesmo encerrada a recuperação judicial, prossegue enfrentando a mesma crise que conduziu à primeira recuperação judicial e todos nela envolvidos (credores concursais e extraconcursais) sabiam da possibilidade da necessidade de um novo remédio.

Ou seja, pelas mais variadas razões, é possível e aceitável que tenhamos a chamada renovação da recuperação judicial, razão pela qual o fenômeno não deve ser considerado absurdo e por si só impeditivo do pleito de novo benefício legal.

E aí sobrevém o segundo ponto, que é a eventual existência de óbice legal ao pedido.

A Lei 11.101/2005 trata dos requisitos e das vedações para a recuperação judicial e dentre elas não se encontra qualquer impeditivo para o novo pedido. Ao contrário, o inciso II do artigo 48 estabelece que é possível a recuperação judicial desde que a empresa não tenha obtido a concessão de recuperação judicial nos cinco anos anteriores, encerrado o processo anterior ou não.

Evidente que, a partir dessa afirmação, alguns pontos polêmicos devem ser enfrentados.

O primeiro deles se refere aos créditos existentes à época da primeira recuperação judicial e que lá foram considerados extraconcursais, sobre qual seria o seu enquadramento na segunda recuperação judicial.

Para responder a esta pergunta temos que partir das razões que levaram à conclusão na primeira recuperação pela extraconcursalidade. Se o fundamento da decisão foi a natureza do crédito, evidente que, caso mantidas as mesmas circunstâncias, na segunda recuperação judicial mantém-se a natureza extraconcursal; no entanto, se o fundamento foi o aspecto temporal, na segunda recuperação judicial esses créditos estarão sujeitos ao novo concurso de credores. Finalmente, se o crédito, apesar de existente à época da primeira recuperação judicial, não foi objeto de decisão e não foi incluído no quadro de credores, caberá ao juízo da segunda recuperação judicial a análise.

O segundo é se os créditos que sujeitos à primeira recuperação podem ser atingidos pela segunda. Em nosso entender, diante da ausência de vedação legal, a resposta é afirmativa.

No entanto, a questão merece uma análise destacada de ponto relevante.

Na grande maioria das recuperações judiciais o plano de pagamento é formado por um binômio: deságio e alongamento da dívida. Raros são os casos em que o plano não prevê o deságio.

Ocorre que a lei é expressa no sentido de que a homologação do plano de recuperação judicial traz como consequência a novação da dívida. E nesse ponto nasce a questão: essa novação e consequentemente o deságio prevalece para a segunda recuperação judicial?

Em nosso entender e ressalvado o entendimento em sentido contrário, a resposta deve ser negativa, embora a lei não tenha tratado expressamente do tema. Assim, se inexiste regulação específica na lei especial, devemos nos socorrer de normas ou de princípios gerais.

Com efeito, a manutenção das condições da novação operada no âmbito da primeira recuperação judicial (artigo 59 da Lei 11.101/2005) tem como pressuposto lógico não apenas a viabilidade econômico-financeira avaliada pelos credores por ocasião da aprovação do plano de recuperação judicial, mas também a intenção concreta e a real possibilidade de cumprimento da avença por parte da devedora.

Assim, a cumulação de expressivos deságios, sem atualização monetária ou juros entre a primeira reestruturação e o novo pedido de recuperação judicial, salvo melhor juízo, acarreta o rompimento do equilíbrio contratual e da função social do contrato, podendo vir a caracterizar verdadeiro perdão da dívida.

O equilíbrio contratual é norma cogente expressamente prevista pelo legislador pátrio no artigo 421-A do Código de Civil e deve ser respeitada na execução do plano de recuperação judicial. Se a proposta da recuperanda é pautada na probidade e boa-fé, isto é, se a empresa efetivamente impõe a si sacrifícios de mesma envergadura àqueles impostos a seus credores, a recuperação judicial não apenas se justifica, como passa ser o objetivo a ser perseguido por todos os participantes do processo concursal, permitindo-se aos credores a possibilidade de recebimento de seus créditos de maneira equilibrada.

Quando da aprovação do plano de recuperação judicial na primeira recuperação judicial este se assentava na premissa de que as condições apresentadas, em geral deságios e alongamento de prazos, refletiam o novo e justo equilíbrio contratual face à crise econômico-financeira enfrentada. Aceitaram os credores, pois, substancial alteração de seu crédito, contribuindo para que a devedora se mantivesse em atividade, embora não tenham contribuído de qualquer forma para a crise.

Por essa razão, não se reputa razoável que os créditos reestruturados e não integralmente quitados devam sofrer o deságio previsto no plano de recuperação judicial anterior. Ora, a reestruturação de endividamento promovida pelo processo de recuperação judicial não é um fim em si mesmo, de modo a se admitir que o instituto seja utilizado sucessivamente, com reestruturações em cascata que acabem por praticamente reduzir a zero o crédito dos credores atingidos.

A aplicação das medidas elencadas pelo artigo 50 da Lei 11.101/2005 deve se pautar pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, visando a tutela da função social da empresa e das suas relações em sentido lato, sendo indesejáveis condutas que venham a ferir tais princípios e que desequilibrem sobremaneira, em favor da devedora, a relação mantida com seus credores.

Está-se diante de hipótese de resolução do plano de recuperação judicial anterior em razão do seu inequívoco inadimplemento com relação aos credores cujos créditos não foram quitados. Dito de outro modo, o processamento de nova recuperação judicial inviabiliza o cumprimento das obrigações tais como outrora repactuadas no processo de recuperação judicial anterior.

Embora não exista disposição legal específica quanto ao tratamento dos créditos já reestruturados na hipótese de novo pedido de recuperação judicial, o regramento do direito de insolvência prevê solução para questão semelhante (efeitos de acordos decorrentes de conciliação ou mediação pré-processual em caso de posterior ajuizamento da recuperação judicial). Com efeito, o parágrafo único do artigo 20-C é expresso que, nesse caso, as partes devem retornar ao estado anterior, cessando a novação.

De igual modo, o artigo 61, §2º da Lei 11.101/2005 prevê expressamente que “Decretada a falência, os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos validamente praticados no âmbito da recuperação judicial”, cessando-se, portanto, os efeitos da novação.

Dessa maneira, submeter créditos a deságios ou renegociações de boa-fé em cascata significa pretender o soerguimento da crise da empresa ao sacrifício desproporcional dos credores, sem olvidar que a medida desconsidera eventuais novos credores que, sobrevindo à relação de credores, não sofreriam o deságio imposto no plano anterior, o que representaria flagrante desrespeito à regra magna e norteadora do processo concursal, qual seja, a par conditio creditorum.

Assim, concluímos que, se de um lado a renovação do pedido de recuperação judicial é permitida pelo nosso ordenamento jurídico, de outro, não pode se traduzir em um mecanismo de benefício desproporcional a favor da devedora em detrimento dos seus credores.

 

Fonte: Conjur.

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