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11-12-2023 

Regularidade fiscal: condição à recuperação judicial e a execução fiscal

Em recente julgamento — Recurso Especial 2.053.240-SP — a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que a apresentação de certidão de regularidade fiscal federal é condição para o deferimento da recuperação judicial.

Essa decisão marca uma virada no entendimento que até então estava consolidado, uma vez que a jurisprudência da referida corte dispensava o cumprimento desse requisito [1] sob o argumento de que deveria prevalecer a aplicação dos princípios da função social e da preservação da empresa contidos no artigo 47 da Lei federal 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falência) em sobreposição ao conteúdo dos artigos 191-A [2] do Código Tributário Nacional e 57 [3] da referida lei, que exigiam tal comprovação.

Importante destacar que, naquele momento histórico, a ausência de lei específica a regulamentar um programa diferenciado de parcelamento de débitos, como determinavam os §§ 3º e 4º do artigo 155-A [4] do Código Tributário Nacional e o artigo 68 [5] da lei, foi um fator decisivo para afastar a exigência da certidão de regularidade fiscal.

Contudo, a orientação do Superior Tribunal de Justiça adrede referida foi repensada a partir da Lei nº 14.112/2020 que alterou a Lei nº 10.522/2002, a qual estabeleceu tratamento especial para débitos fiscais, em âmbito federal, de empresas em recuperação judicial (artigos 10-A e 10-B). Isto porque, à luz desse novo entendimento foi implementada a condição que faltava: fixação de regras federais específicas de parcelamento para empresas em recuperação judicial.

Segundo essa moderna posição do Superior Tribunal de Justiça, a empresa em recuperação deve comprovar a regularidade fiscal no prazo estipulado pelo juiz em que tramita a recuperação, sob pena de suspensão do processo de recuperação judicial, imediata retomada das execuções individuais e de eventuais pedidos de falência até que as certidões mencionadas no artigo 57 da Lei de Recuperação Judicial e Falência sejam apresentadas.

Em nosso sentir, até o julgamento do Recurso Especial 2.053.240-SP, o crédito tributário — embora sempre tenha gozado de prerrogativas de preferibilidade no Código Tributário Nacional e na lei de recuperação e falência — vinha sendo relegado a segundo plano em virtude dos diversos conflitos existentes entre o juízo competente para processamento da recuperação judicial e o da execução fiscal, notadamente relacionados à negativa de exigência de apresentação de certidões de regularidade fiscal, à suspensão ou não do processo executivo fiscal e à possibilidade ou não da prática de atos de constrição em seu bojo. Pontos esses que impediam que a execução fiscal atingisse seu objetivo: a recuperação do crédito tributário inadimplido da empresa em recuperação.

O entendimento do Poder Judiciário que até então prevalecia no sentido da sobreposição dos princípios da preservação da empresa e de sua função social em relação à preferência do crédito tributário gerou a falácia de que o afastamento da exigência da regularidade fiscal da empresa em recuperação traria maior garantia para sua reabilitação. Explico.

Sob a perspectiva de que a recuperação judicial objetiva restabelecer a saúde econômico-financeira do devedor, propiciando a manutenção da fonte produtora, dos empregos, dos interesses dos credores, a preservação da empresa e sua função social, a dispensa na apresentação das certidões de regularidade fiscal resguardava apenas os interesses dos credores privados.

O que se via era a perpetuação da condição de inadimplência perante o fisco, relegando-se a um limbo os débitos tributários, geralmente em montante superior aos demais credores, que permaneceriam pendentes.

Objetivando parametrizar a consecução dos valores adjetivados na recuperação judicial e a preferência do crédito tributário, o §7º-B do artigo 6º da Lei nº 11.101/2005 com a redação dada pela Lei nº 14.112/2020 determina, expressamente, que não se aplicam às execuções fiscais: (a) a suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime da citada lei; (b) a suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência e (c) a proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência.

A modificação promovida na orientação do Superior Tribunal de Justiça reforça a autonomia já reconhecida do juízo da execução fiscal e consagrada no artigo 187 do Código Tributário Nacional, que estipula que a cobrança judicial do crédito tributário não está sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento.

A regra é um alento à efetividade da cobrança judicial do crédito tributário cujo processo não mais ficará suspenso com a concessão da recuperação judicial, permitindo que o juízo da execução fiscal prossiga com a constrição de bens da empresa, ressalvada a possibilidade do juízo recuperacional determinar a substituição de tais atos constritivos se recaírem sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial.

Mas não só, para evitar desequilíbrios que inviabilizem o atingimento da recuperação econômico-financeira do devedor, agora em favor das Fazendas Públicas, os legisladores complementar e ordinário conferiram ao devedor o direito ao parcelamento dos débitos tributários em condições especiais e diferenciadas, levando o Superior Tribunal de Justiça à mudança do entendimento acerca da dispensa da apresentação da certidão de regularidade fiscal federal.

O acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça proporciona uma abordagem inovadora sobre a questão, conciliando o interesse público de arrecadação fiscal para a consecução das políticas públicas, a efetividade da execução fiscal para recuperação do crédito tributário e a preservação da atividade empresarial.

Há, contudo, ponto no novo julgado do qual discordamos, especificamente a parte em que ressalvou a exigência de regularidade fiscal como condição à concessão da recuperação judicial relativamente aos débitos fiscais de responsabilidade das Fazendas Públicas dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, afirmando que somente poderia ser implementada depois da edição de lei específica desses entes políticos.

Bem, consoante o § 4º do artigo 155-A do Código Tributário Nacional, em caso de inexistência de lei específica, aplicam-se as leis gerais de parcelamento do ente da Federação respectivo, exigindo-se apenas que o prazo do parcelamento não seja inferior ao concedido pela lei federal específica, portanto, a 120 meses.

Considerando que a atual redação do artigo 10-A da Lei nº 10.522/2002 estabelece que o parcelamento de débitos fiscais de empresas em recuperação judicial no âmbito da Fazenda Nacional poderá se consolidar em até 120 meses, torna-se plenamente viável sua aplicação aos demais entes da Federação e municipais.

Desta forma, a certidão de regularidade fiscal estadual, municipal ou do Distrito Federal pode ser exigida como condição de processamento da recuperação judicial, desde que à empresa recuperanda seja conferido o direito à realização de parcelamento nos moldes fixados na lei federal, caso não haja legislação própria no âmbito dos respectivos entes federados.

[1] Vide os seguintes acórdãos: REsp n. 1.187.404/MT, relator ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19/6/2013, DJe de 21/8/2013; REsp 1.864.625/SP, relatora ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 3/6/2020, DJe de 26/6/2020.

[2] Art. 191-A. A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e 206 desta Lei.

[3] Art. 57. Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembleia-geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.

[4]  Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica.

§ 1o Salvo disposição de lei em contrário, o parcelamento do crédito tributário não exclui a incidência de juros e multas.

§ 2o Aplicam-se, subsidiariamente, ao parcelamento as disposições desta Lei, relativas à moratória.

§ 3o Lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial.

§ 4o A inexistência da lei específica a que se refere o § 3o deste artigo importa na aplicação das leis gerais de parcelamento do ente da Federação ao devedor em recuperação judicial, não podendo, neste caso, ser o prazo de parcelamento inferior ao concedido pela lei federal específica

[5] Art. 68. As Fazendas Públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) poderão deferir, nos termos da legislação específica, parcelamento de seus créditos, em sede de recuperação judicial, de acordo com os parâmetros estabelecidos na Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.

 

Fonte: Conjur.

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