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25-11-2025 

Recuperações judiciais como reflexo da crise econômica nacional

A RJ deixou de ser medida excepcional e passou a refletir o estresse financeiro sistêmico decorrente de juros elevados, restrição de crédito e compressão de margens no setor produtivo.

A recuperação judicial nunca foi concebida como um instituto de uso cotidiano. A sua estrutura legislativa foi pensada para dar fôlego a empresas viáveis momentaneamente atingidas por crise financeira, preservando a continuidade da atividade econômica, os postos de trabalho, as cadeias produtivas e, em sentido mais amplo, a função social da empresa.

Entretanto, a realidade brasileira recente revela que o mecanismo deixou de ser uma providência excepcional, acionada apenas diante de falhas de gestão ou de circunstâncias isoladas, e passou a refletir tensões estruturais da economia nacional.

Os números deixam clara essa mudança de cenário: somente em 2024 foram registrados 2.273 pedidos de recuperação judicial, um aumento de 61,8% em comparação com 2023 e o maior volume já observado na série histórica. Paralelamente, 7,2 milhões de empresas constavam como inadimplentes, o que corresponde a 31,6% dos negócios ativos, indicando uma deterioração profunda da capacidade de solvência do setor produtivo.

Esse fenômeno não se limita aos segmentos urbanos, industriais, comerciais ou de serviços. O agronegócio, um dos pilares do PIB brasileiro e tradicionalmente associado à resiliência econômica, passou a integrar de forma significativa as estatísticas de reestruturação. No segundo trimestre de 2025, houve aumento de 31,7% nos pedidos de recuperação judicial no setor, com protagonismo inédito de produtores rurais organizados como pessoa jurídica, ainda que o período tenha sido marcado por safras volumosas e recordes de exportação.

O dado é revelador: o crescimento dos pedidos não decorre predominantemente de falhas internas das empresas, mas de um contexto macroeconômico capaz de pressionar simultaneamente o fluxo de caixa de agentes econômicos de diferentes portes e setores. A manutenção prolongada da taxa básica de juros em patamares elevados encareceu drasticamente o custo do capital e o serviço da dívida. A inflação persistente elevou custos operacionais e reduziu margens. E o aumento da inadimplência levou instituições financeiras e cooperativas de crédito a restringirem a concessão de financiamentos, criando um círculo vicioso no qual quem mais necessita de crédito é justamente quem encontra maior dificuldade para obtê-lo.

Nesse ambiente, a recuperação judicial passou a desempenhar um papel que ultrapassa o processo judicial em si, convertendo-se em instrumento de reorganização negocial, reequilíbrio contratual, redesenho societário, renegociação de dívidas estratégicas e recomposição de liquidez.

A lógica é especialmente nítida no agronegócio, onde relações econômicas se estruturam por barter, CPR, contratos de fornecimento, garantias cruzadas, operações estruturadas e arrendamentos interdependentes. A crise de um único participante pode irradiar risco para toda a cadeia – tradings, fornecedores, cooperativas e transportadores –, razão pela qual os pedidos recentes se apresentam mais complexos e, não raro, antecedidos por tratativas coletivas com grupos de credores antes do ajuizamento formal.

As projeções apontam que o volume de recuperações judiciais deverá ultrapassar a marca de 3.000 pedidos em 2025, com destaque para micro e pequenas empresas, mas sem qualquer sinal de retração da participação do agronegócio, o que indica tratar-se de fenômeno estrutural e não episódico.

Nesse contexto, o papel do advogado se transforma de modo substancial. Atuar em recuperação judicial já não se limita a contencioso ou condução processual. Exige domínio de macroeconomia, comportamento de crédito, governança corporativa, análise financeira e desenho contratual estratégico.

Da mesma forma, credores institucionais, especialmente bancos e cooperativas, precisam desenvolver políticas de risco mais inteligentes, que permitam distinguir empresas estruturalmente inviáveis daquelas apenas momentaneamente descapitalizadas.

Se outrora a recuperação judicial era vista como recurso extremo para empresas à beira da falência, hoje se configura como um mecanismo de reorganização econômica em ciclos de estresse sistêmico. A mudança de paradigma — e não apenas o salto numérico — é o que melhor revela o momento econômico brasileiro.

 

Fonte: Migalhas.

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