Ir para o Conteúdo da página Ir para o Menu da página

Como você avalia a
experiência em nosso site?

x
Avaliacao

Ruim

Ótima

Whatsapp

NOTÍCIAS

Sem Foto

26-11-2025 

Recuperação extrajudicial e a opção pela não limitação da novação quanto aos garantidores

A Lei nº 14.112/2020 promoveu alterações significativas na Lei nº 11.101/2005, tornando a recuperação extrajudicial um instrumento de controle de insolvência de maior alcance. Exemplos disso podem ser notados na redução do quórum para aprovação do plano em sua forma impositiva (de 2/3 para mais de 50% dos créditos submetidos) e na possibilidade de concessão de um stay period de 90 dias a partir da obtenção de 1/3 de adesões ao plano.

O resultado de tais alterações já se revela na ampliação no uso do instituto, que, segundo o Observatório Brasileiro da Recuperação Extrajudicial, alcançou 49 novos casos somente no ano de 2025 [1].

A recente ampliação de uso, porém, evidenciou o vácuo jurisprudencial: a construção jurisprudencial das ferramentas de controle de insolvência se deu à luz, quase exclusivamente, da recuperação judicial, não observando as diferenças entre os institutos, o que gerou distorções relevantes.

A identificação de tais diferenças, porém, não pode ser deixada em segundo plano: a recuperação extrajudicial foi tratada de forma diversa pelo legislador, que optou por dar a ela maior abrangência e diferentes efeitos, especialmente no que tange à novação dos créditos a ela submetidos.

Das características da novação na recuperação extrajudicial

Para determinar se as referências expressas à recuperação judicial na Lei nº 11.101/2005 seriam extensíveis a todos os instrumentos de controle de insolvência disciplinados pela Lei é preciso, antes de tudo, verificar se o legislador tratou ou não os instrumentos de forma distinta.

Nesse contexto, o artigo 1º da Lei é esclarecedor ao definir que, apesar de inseridos no mesmo microssistema, seus institutos são tratados de forma distinta e expressa, conforme se vê no parágrafo primeiro:

“Art. 1º Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.”

Logo, a partir da individualização dos institutos é que se deve proceder o estudo das medidas de controle insolvência, investigando as características individuais e específicas de cada um.

A afirmação se evidencia a partir das limitações impostas sobre os créditos trabalhistas, que dependem, para submissão à recuperação extrajudicial, negociação coletiva com o sindicato da categoria, na forma do artigo 161 da Lei nº 11.101/2005.

Feita essa distinção e fixada a opção do legislador pela individualização de procedimentos, passamos a identificar, nos artigos da Lei nº 11.101/2005, quais seriam aplicáveis exclusivamente à recuperação judicial.

Conforme determina o artigo 59 [2] da Lei 11.101/2005, o plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido e obriga devedor e credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias.

Por sua vez o parágrafo 1º do artigo 49 da Lei 11.101/2005 determina que, na recuperação judicial — e somente nela — os credores conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso:

“Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
§ 1º. Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.”

Referida construção legislativa deu ensejo a Súmula 581 [3] do Superior Tribunal de Justiça, a seguir transcrita:

“A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória.”

Com efeito, tanto os dispositivos legais que suportam à exclusão dos coobrigados dos efeitos da recuperação judicial, como a Súmula 581 do Superior Tribunal de Justiça, deixam claro que a limitação da novação imposta pela Lei se aplica, expressamente, apenas aos credores titulares de crédito em recuperações judiciais.

Mas se a novação resolutiva, limitada ao devedor principal, é exclusiva da recuperação judicial, qual novação seria aplicável à decisão que homologa o plano de recuperação extrajudicial?

A professora Maria Rita Rebello Pinho [4], traz luz ao debate ao defender que a novação das obrigações previstas na recuperação extrajudicial ocorre com a sentença, ou seja, não está submetida à condição resolutiva:

“Homologado o acordo, a sentença constituirá título executivo judicial (§6º). Diferentemente do que ocorre na recuperação judicial, aqui, a novação das obrigações torna-se definitiva com a sentença que homologa o plano extrajudicial. Seu descumprimento, assim, somente poderá implicar a execução do título judicial (cumprimento de sentença), ou o pedido autônomo de falência do devedor, com base no artigo 94, I da LREF.”

Logo, não há prazo de fiscalização, não há que se aguardar, como na recuperação judicial, o cumprimento do plano para que, somente após a realização integral dos pagamentos, a novação seja definitivamente operada.

Na recuperação extrajudicial, portanto, a novação se opera com a sentença e não está submetida a qualquer condição, resolutiva ou suspensiva, especialmente àquelas que restringem a aplicação do instituto aos obrigados de regresso. Trata-se da novação típica do artigo 364 do Código Civil [5], ou seja, extingue tanto os acessórios como as garantias da dívida.

A única limitação expressamente imposta pelo legislador na recuperação extrajudicial diz respeito a eventual alienação de garantias reais, exigindo, apenas nesse ponto e quando houver previsão no plano, a aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia para sua alienação.

Em um sistema onde, como bem define o professor Marcelo Barbosa Sacramone [6], os objetivos da legislação são difíceis de serem mensurados e, ainda que expressos pelo legislador, podem não estar refletidos expressamente na legislação, a opção em se tratar dos instrumentos de forma distinta traz, consigo, estímulos e consequências diversas.

No caso da recuperação extrajudicial, a opção foi por um procedimento mais célere e definitivo, afastando discussões intermináveis quanto à extensão da novação, do stay period e outras questões periféricas. Homologado o plano, extinta está a dívida originária: simples assim.

Dos créditos potencialmente sujeitos à recuperação extrajudicial

Se a novação é diversa e implacável, também é clara a distinção quanto aos créditos potencialmente sujeitos (ou submetidos) a recuperação extrajudicial.

Isso porque a Lei tratou de forma específica e precisa os créditos potencialmente sujeitos à recuperação extrajudicial no parágrafo 1º do artigo 161 da Lei nº 11.101/2005 [7], definindo-os como todos aqueles existentes na data do pedido, exceto os de natureza tributária e aqueles previstos no parágrafo 3º do artigo 49 e no inciso II do caput do artigo 86 da Lei.

Como decorrência do exposto, não são abrangidos pela recuperação extrajudicial os créditos do proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel com cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio ou ainda do titular de adiantamento a contrato de câmbio.

Para além disso, a Lei também trouxe condição diversa a da recuperação judicial para sujeição dos créditos de natureza trabalhista, impondo que inclusão somente seja realizada apenas em caso de negociação coletiva com o sindicato da categoria.

Ocorre que, com o advento da Lei nº 14.112/2020, novas limitações foram impostas quanto à sujeição de determinados créditos à recuperação judicial, o que se verifica especialmente no parágrafo 13º da Lei nº 11.101/2005, oportunamente transcrito:

“Art. 6º […]
§13.  Não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial os contratos e obrigações decorrentes dos atos cooperativos praticados pelas sociedades cooperativas com seus cooperados, na forma do art. 79 da Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, consequentemente, não se aplicando a vedação contida no inciso II do art. 2º quando a sociedade operadora de plano de assistência à saúde for cooperativa médica.”

O mesmo preceito se verifica com a alteração do artigo 11 da Lei nº 8.929, de 22 de agosto de 1994, que passou a vigorar com a seguinte redação com o advento da Lei nº 14.112/2020:

“Art. 11. Não se sujeitarão aos efeitos da recuperação judicial os créditos e as garantias cedulares vinculados à CPR com liquidação física, em caso de antecipação parcial ou integral do preço, ou, ainda, representativa de operação de troca por insumos (barter), subsistindo ao credor o direito à restituição de tais bens que se encontrarem em poder do emitente da cédula ou de qualquer terceiro, salvo motivo de caso fortuito ou força maior que comprovadamente impeça o cumprimento parcial ou total da entrega do produto.”

A tais restrições se somam àquela definida no § 7º do artigo 6º da Lei nº 11.101/2005 (recursos controlados e abrangidos nos termos dos artigos 14 e 21 da Lei nº 4.829, de 5 de novembro de 1965) ou seja, de crédito rural que não tenha sido objeto de renegociação anterior e bem como aquele decorrente de aquisição de propriedade rural nos três anos que antecedem o pedido de recuperação judicial.

De nota que em todos os dispositivos citados a restrição imposta se refere, exclusivamente, à recuperação judicial, não havendo qualquer referência a recuperação extrajudicial (ou mesmo às novas medidas cautelares da lei).

Como incurso do exposto e conforme linhas volvidas, tendo sido a opção do legislador de definir, de forma clara no artigo 161, quais os créditos estariam abrangidos (e excluídos) no procedimento de recuperação extrajudicial, a opção do mesmo legislador em limitar a sujeição de determinados créditos tão somente com relação a recuperação judicial não pode ser interpretada como mero equívoco redacional: se trata de opção clara do legislador para incentivar seu uso.

Assim, inexistindo restrição expressa quanto à sujeição dos créditos à recuperação extrajudicial, sua submissão ao procedimento é impositiva caso os créditos sejam relacionados, não seria crível admitir uma interpretação analógica e extensiva, especialmente quando em contraste com às limitações expressamente impostas aos créditos trabalhistas.

Conclusão

Embora a jurisprudência tenha se consolidado, na recuperação judicial, pela não incidência dos efeitos da novação contra os garantidores, uma nova leitura deverá ser feita à luz das diferenças da recuperação extrajudicial, já que a novação deste instituto tem caraterísticas claramente diversas e imediatas, incidindo e extinguindo as garantias fidejussórias dos créditos a ela submetidos.

Por outro lado, a aplicação analógica de dispositivos da recuperação judicial para se restringir a sujeição ou não de determinados créditos a recuperação extrajudicial colidiria com as restrições expressas a ela impostas pelo legislador e seu intuito de tratar os instrumentos de controle de crise de forma individualizada.

Ao tratar a recuperação extrajudicial com as diferenças e virtudes a ela atribuíveis, o legislador buscou incentivar seu uso em detrimento de procedimentos mais caros e longevos. Ignorar essa opção importaria em uma quebra da lógica do sistema de controle de insolvência.

 

[1] Observatório Brasileiro de Recuperação Extrajudicial. Boletim 2025 – Outubro. Disponível aqui

[2] Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1º do art. 50 desta Lei.

[3] Aqui

[4] Cunha, Fernando Antonio Maia da; Dias, Maria Rita Rebello Pinho. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Edição Kindle.

[5] Art. 364. A novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não houver estipulação em contrário. Não aproveitará, contudo, ao credor ressalvar o penhor, a hipoteca ou a anticrese, se os bens dados em garantia pertencerem a terceiro que não foi parte na novação.

[6] Os objetivos da legislação, contudo, são difíceis de serem mensurados e, ainda que expressos pelo legislador, podem não estar refletidos expressamente na legislação. Nesse ponto, a função da legislação de insolvência não deixa de espelhar a própria dicotomia da função esperada pelas regulamentações em geral e refletida na disputa entre a teoria econômica da regulação e a escola do interesse público. Sacramone, Marcelo. Recuperação Judicial – dos Objetivos ao Procedimento – 1ª Edição 2024 (Portuguese Edition) (p. 12). (Function). Kindle Edition.

[7] Art. 161. O devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial.

§1º Estão sujeitos à recuperação extrajudicial todos os créditos existentes na data do pedido, exceto os créditos de natureza tributária e aqueles previstos no § 3º do art. 49 e no inciso II do caput do art. 86 desta Lei, e a sujeição dos créditos de natureza trabalhista e por acidentes de trabalho exige negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional.

 

Fonte: Conjur.

Perguntas e respostas

Sem Foto