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26-08-2025 

Prorrogação compulsória de contrato em RJ tensiona princípio da autonomia da vontade

Ao permitir que o juízo da recuperação judicial decida sobre a prorrogação compulsória de um contrato para salvar a empresa devedora, o Superior Tribunal de Justiça cria uma tensão no princípio da autonomia da vontade das partes e gera relevantes riscos interpretativos.

Essa é a avaliação de advogados entrevistados pela revista eletrônica Consultor Jurídico em relação ao julgamento da 3ª Turma do STJ que admitiu a renovação, por meio de decisão judicial, do contrato entre Globo e TV Gazeta de Alagoas, com a finalidade de evitar a falência da empresa alagoana.

A prorrogação contratual foi pedida pela devedora de forma incidental no processo de recuperação judicial, sob a alegação de que representa 72% de sua renda. A alternativa seria ajuizar uma ação autônoma para discutir a renovação.

A Globo, por sua vez, não pôde exercer amplamente seu direito de defesa. O contrato, que tinha prazo certo para ser encerrado e não previa renovação automática, acabou prorrogado por mais cinco anos.

Por 3 votos a 2, a 3ª Turma entendeu que a manutenção das atividades da devedora, objetivo maior da recuperação judicial, justifica a ampliação da competência do juízo da RJ, apesar de a Lei 11.101/2005 só prever essa atuação sobre atos expropriatórios e de constrição patrimonial.

O que são contratos essenciais?

Para Vanderlei Garcia Jr., sócio do Ferreira & Garcia Advogados, a lógica da recuperação judicial exige que o juiz tenha condições de intervir também em questões contratuais que, se rompidas, inviabilizariam o plano aprovado pelos credores.

O problema é que isso abre margem para que o juízo da RJ decida sobre uma gama de contratos essenciais: fornecimento de energia, tecnologia, logística, insumos estratégicos e até contratos de crédito. O desafio é estabelecer um equilíbrio para essa intervenção judicial.

“Se tais intervenções se multiplicarem sem critérios claros, pode haver aumento da insegurança jurídica, desestimulando investidores e parceiros comerciais. Por isso, é fundamental que o Judiciário estabeleça balizas objetivas”, defende.

A sugestão de Garcia Jr. é que a prorrogação compulsória só seja admitida quando comprovado, de forma inequívoca, que o contrato é indispensável à continuidade das atividades e que não há alternativa viável no mercado.

Caso contrário, isso implicaria em criar um regime paralelo em que qualquer vínculo contratual poderia ser forçado a continuar sob a justificativa genérica da manutenção da empresa, de acordo com Maria Fernanda Rasquinho e Stefano Simoncelli, do Collavini Borges Molinari Advogados.

“A concentração de competência no juízo universal encontra respaldo no artigo 47 da lei, mas deve ser interpretada de forma restritiva para não transformar o juízo recuperacional em uma ‘vara geral’ para toda e qualquer controvérsia da empresa”, avaliam.

Autonomia da vontade vulnerada

Gustavo Nogueira, sócio fundador do Salles Nogueira Advogados, levanta uma hipótese problemática: levando em conta a recente interpretação do STJ, o que aconteceria se uma empresa em recuperação judicial entendesse como essencial um contrato de concessão firmado com ente público?

Nesse caso, seria possível admitir a prorrogação compulsória em detrimento da Lei de Licitações (Lei 14.133/2021) e mesmo que os preços deixassem de ser vantajosos para a administração pública?

Em sua análise, trata-se de questão jurídico-política. “A lei reflete os anseios da sociedade civil no tempo e no espaço em que é criada. Nesse sentido, cabe ao Judiciário ou ao Congresso definir até onde a preservação da empresa pode se sobrepor à autonomia privada.”

Na 3ª Turma, o tema dividiu os ministros. A corrente vencedora, formada por Humberto Martins, Moura Ribeiro e Daniela Teixeira, se baseou na excepcionalidade da renovação compulsória do contrato. A corrente vencida tratou dos efeitos deletérios da medida.

“Falta justificativa para relativizar a autonomia das partes, para fins de impor a um dos contratantes a manutenção de um contrato simplesmente com fundamento na preservação da empresa”, apontou o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Já Nancy Andrighi disse que o STJ cria um problema para o mundo comercial e industrial. “É mais relevante a preservação da empresa ou a regra da autonomia da vontade, que rege todos os contratos que são feitos nesse país? Todos, menos esse”, indagou e ironizou.

Risco e impacto econômico

Para a ministra, mexer com a autonomia da vontade é tirar o livro arbítrio das partes. “Com isso, nós desestruturamos todas as empresas (…) Quando elas montam seus contratos, elas sabem o que estão fazendo.”

Nesse sentido, Gustavo Nogueira diz que a posição vencedora no STJ cria duas realidades. Em uma delas, os contratos são cumpridos e encerrados por duas empresas saudáveis e ativas. Na outra, os contratos ficam suscetíveis a mudanças não previstas se alguma delas estiver em crise financeira.

“Esse risco tem um impacto econômico: as empresas passariam a precificar essa incerteza nos contratos, incorporando uma ‘taxa de risco de recuperação judicial’ nos preços, o que pode gerar efeitos inflacionários nos preços de produtos e serviços”, adianta o advogado.

REsp 2.218.453

 

Fonte: Conjur.

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