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05-03-2024 

Por que uma empresa brasileira pede recuperação judicial nos Estados Unidos?

Segundo André Chame, uma das razões é a cobertura das garantias fiduciárias pelo processo de recuperação judicial americano, o que não ocorre no Brasil.

Conversamos sobre os motivos que fazem com que empresas brasileiras peçam recuperação judicial nos Estados Unidos com André Chame, sócio do escritório Kalache, Chame, Costa Braga, especializado em reestruturações de empresas. Essa conversa teve como referência o recente pedido de recuperação judicial feito pela Gol nos Estados Unidos.

Por que uma empresa pede recuperação judicial nos Estados Unidos e não no Brasil?

Existem alguns fatores que levam a essa decisão. No Brasil, existe uma legislação que se iniciou em 2005, e que já passou por duas reformas desde então, e que vem amadurecendo ao longo do tempo. Cabe lembrar que até 2005 não se falava em recuperação judicial no Brasil, e sim em concordatas. Sendo mais preciso, a lei é de 2005, teve uma vacância de um ano e entrou em vigor em 2006. Nós podemos considerá-la relativamente nova.

A legislação americana, por sua vez, é mais antiga e mais consolidada. Ela passa mais segurança aos credores, especialmente os internacionais, que no caso da Gol parece ser o maior problema, de modo que faz algum sentido, quando você tem esse perfil de credor e de endividamento, optar por uma recuperação judicial nos Estados Unidos, onde há maior segurança jurídica e maior confiança dos credores no processo.

Outro aspecto legal, que também é muito importante, é que a legislação brasileira exclui as garantias fiduciárias do processo de recuperação judicial, como leasings e contratos de alienação fiduciária. A lei brasileira diz que não pode haver apreensão do bem que está em garantia enquanto a empresa estiver em recuperação, mas esse crédito não entra na recuperação. Nos Estados Unidos, esses créditos entram, imediatamente, no processo de recuperação, que é chamado de Chapter 11, a lei de insolvência americana.

sso faz com que os Estados Unidos tenham um melhor ambiente para que os devedores renegociem essas dívidas específicas. Pela natureza da Gol, eu acredito que isso seja uma parte relevante das suas dívidas, pois os contratos de aeronaves, em geral, são contratos de leasing. É por isso que me parece que a estratégia da companhia passa por submeter esses contratos ao processo de recuperação na legislação americana, ao passo que no Brasil esses créditos passariam ao largo.

Quais são as condições para que uma empresa brasileira possa pedir recuperação judicial nos Estados Unidos?

Eu não conheço o caso específico da Gol, mas, de uma maneira genérica, eu suponho que a empresa tenha operações nos Estados Unidos, pois me parece bastante óbvio que a Gol tenha alguma empresa por lá. Outro ponto é que para que a Gol tenha optado por isso, me parece que seus contratos de leasing devem ter foro de discussão nos Estados Unidos. No mais, os requisitos legais são bastante parecidos, com algumas diferenças, mas nada muito substantivo.

Existe alguma desvantagem em se pedir uma recuperação judicial nos Estados Unidos?

Em geral, o foro americano é mais caro que o brasileiro, mas eu não acho que isso seja significativo num processo dessa natureza. No caso específico de uma companhia aérea, com contratos internacionais, as vantagens são superiores às desvantagens. 

Uma recuperação judicial nos Estados Unidos gera algum tipo de dificuldade para os credores brasileiros, principalmente os pequenos e médios?

Essa é uma pergunta que ainda está sendo testada no Brasil. A cooperação internacional e o reconhecimento de processos estrangeiros no Brasil vieram com a reforma de 2020. Nós devemos estar falando de um dos primeiros processos em que essa legislação será, eventualmente, aplicada.

Na legislação brasileira, nós temos o princípio da cooperação entre juízes e até uma possibilidade de ajuizamento de reconhecimento de processo estrangeiro no Brasil, mas eu não tenho notícia de que a Gol tenha feito esse pedido de reconhecimento até agora. O que eu tenho visto pela imprensa é que as operações brasileiras seguem normais e sem grandes solavancos. Se for isso, e nós estamos falando de uma suposição, eu imagino que os pequenos e médios credores brasileiros devem estar tendo suas vidas normais, ou seja, não devem estar sofrendo com essas medidas, que devem estar mais focadas nos grandes credores financeiros e de crédito das aeronaves.

Uma empresa pode pedir recuperação judicial nos Estados Unidos e no Brasil ao mesmo tempo?

A mesma empresa até pode pedir recuperação aqui e lá, mas isso não é normal. O que se espera é que se a empresa tem uma operação internacional, ela peça recuperação nos Estados Unidos, e se tem uma operação no Brasil, peça aqui. Isso já aconteceu, tanto que já tivemos casos de empresas estrangeiras que pediram recuperação fora do Brasil e que a subsidiária brasileira pediu aqui.

De uma forma geral, como você avalia a legislação de recuperação judicial brasileira frente à americana?

As grandes diferenças entre a legislação americana e a brasileira são a segurança jurídica de todo o processo e o conforto pelo conhecimento, até para as duas partes, de litigar nos Estados Unidos em relação ao foro brasileiro.

Aqui eu vou fazer um parênteses. Se olharmos para trás, qual foi a grande dificuldade do processo da Varig? As liminares eram concedidas no Brasil, mas os aviões não podiam pousar fora do país, pois eles corriam risco de apreensão, o que fez com que a Varig tivesse dificuldades para voar para fora do Brasil. Nós estamos falando de 2006, 2007. Quando a lei de recuperação brasileira surgiu em 2005, na época se brincava que era a Lei da Varig, pois ela teria sido feita para que a Varig pudesse pedir a sua recuperação.

É interessante fazer um paralelo entre a recuperação da Varig e as recuperações da Latam e da Gol, pois a modernização da legislação brasileira e o próprio processo de globalização permitem um sucesso maior desses dois novos processos em relação ao processo da Varig. Eu me lembro bem do juiz Luiz Roberto Ayoub tendo que ir a um tribunal nos Estados Unidos para pedir que os aviões da Varig não fossem apreendidos, pois havia uma liminar dada no Brasil, mas que não era respeitada pelos foros internacionais, o que mostra de forma bastante clara como a legislação, naquele momento, acabou sendo ineficiente para a Varig.

O ajuizamento lá fora, dentro dos princípios de cooperação internacional, se mostrou eficiente no caso da Latam, e espero que também seja assim no caso da Gol. Esses são paralelos interessantes, ocorridos num intervalo de quase 20 anos, mas todos com a mesma lei, mesmo que ainda não reformada e num momento menos globalizado do que temos hoje no Brasil no caso da Varig.

 

Fonte: Monitor Mercantil.

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