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05-07-2025 

O tempo da negociação: Por que prorrogar o prazo de suspensão para conclusão das mediações cautelares antecedente a processos de recuperação é essencial?

Quatro anos após a reforma da LFR, discute-se a eficácia da mediação cautelar prévia e a necessidade de prorrogar o prazo de suspensão para viabilizar acordos.

Após cerca de 4 anos de vigência da reforma promovida na LFR - lei de falências e recuperações pela lei 14.112/20, já nos parece possível avaliar a efetividade de algumas das medidas incorporadas ao sistema de insolvência empresarial. Uma das inovações mais celebradas quando da reforma foi a introdução da possibilidade de realização de uma mediação prévia ao procedimento de recuperação, acompanhada da capacidade de suspensão da exigibilidade dos débitos nela inclusos por 60 dias, por meio de uma tutela de natureza cautelar (art. 20-B e §1º da LFR).

Ao contrário do que a utilização de uma "cautelar" possa indicar, mais do que uma etapa meramente preparatória, a mediação foi concebida, aqui, como um fim em si mesma. Isso significa que ela não serve apenas para assegurar o resultado útil de um processo de recuperação a ser ajuizado ao final desse prazo (o que, aliás, já é previsto pelo art. 6º, §12, da LFR), mas, sim, para tentar evitar que a empresa devedora precise se valer de um processo judicial de recuperação, reestruturando-se definitivamente (espera-se) por meio de acordos derivados da própria mediação. A suspensão da exigibilidade das dívidas por 60 dias, obtida por meio da tutela cautelar, serve justamente para assegurar que a criação de um ambiente negocial minimamente tranquilo e propício para que a mediação possa dar frutos.

Resta, então, a pergunta: o prazo de 60 dias assegurado pela lei tem se mostrado suficiente para atender a esse propósito? A experiência, a nosso ver, tem mostrado que não - e há alguns fatores que podem contribuir para isso.

Um dos fatores que talvez contribuam para a insuficiência desse prazo é a postura beligerante adotada por alguns credores, que não apenas se recusam a tomar parte nas sessões de mediação (em exercício pleno de um direito seu, frise-se) como também seguem litigando contra a própria concessão do prazo de proteção legal. Até pelo fato de a reforma ser relativamente recente (ao menos quando comparada à LFR em si), observa-se por parte de alguns credores uma certa dificuldade de aceitar que o devedor esteja sob proteção legal mesmo sem estar formalmente em um processo de recuperação, mantendo uma postura beligerante e pouco produtiva sob um ponto de vista negocial.

Isso faz com que o devedor, num cenário em que deveria focar todos os seus esforços em uma negociação produtiva, tenha que gastar boa parte do prazo (quando não o prazo por inteiro) litigando contra investidas dos credores para derrubar a própria proteção legal. Quando finalmente a proteção é chancelada pelas instâncias superiores, é comum que o prazo de 60 dias já esteja por se encerrar, não havendo mais tempo hábil para um diálogo efetivo entre as partes - o que é agravado pelo fato de que credores financeiros, usualmente os mais relevantes em reestruturações financeiras, são dotados de governança interna complexa, que demanda ainda mais tempo para que propostas sejam analisadas e ajustadas.

O grau de litigiosidade dos credores é, porém, uma realidade inafastável (ou, ao menos, não mitigável por regras jurídicas). Essa postura se manterá até que a noção da proteção legal do devedor em mediação seja internalizada pela generalidade dos credores, ou até que a jurisprudência se consolide sobre os principais aspectos que envolvem essa proteção. Até que isso ocorra, a pergunta que cabe é: é possível estender o prazo de 60 dias da tutela cautelar para que o devedor se mantenha protegido durante sua mediação? Se sim, o que deve o juiz observar?

Em um primeiro momento, as decisões judiciais pareciam apontar pela improrrogabilidade desse prazo1, embora a LFR não seja expressa sobre isso (ao contrário do que ocorre com outros prazos, expressamente tachados pela LFR como improrrogáveis). Recentemente, no entanto, a matéria parece estar ganhando outros contornos no Judiciário, havendo importantes precedentes autorizando a continuidade da mediação e mesmo a prorrogação do prazo de 60 dias, desde que a devedora comprove não ter dado causa à impossibilidade de conclusão das negociações nesse período.

Destaca-se, num primeiro momento, o caso do Grupo Armco2, em que o término do prazo de 60 dias coincidiu com o recesso forense - comprometendo seriamente o andamento das negociações. A devedora, com apoio da maioria dos créditos sujeitos à mediação, requereu extensão do prazo. Embora não tenha sido autorizada a prorrogação em si, autorizou-se a continuidade da mediação, evitando eventual e prematuro ajuizamento de recuperação judicial. Concluída a mediação, a devedora requereu a homologação de plano de recuperação extrajudicial já refletindo as tratativas ocorridas durante esse período.

Mais recentemente ganhou destaque também o caso do Grupo Rio Alto3, em que, diante da complexidade da estrutura da capital e das diversas peculiaridades envolvidas na reestruturação do passivo (principalmente em razão da morosidade nas respostas de importantes aspectos regulatórios), autorizou-se a prorrogação excepcional da proteção por mais 60 dias, em analogia ao que o art. 6º, §4º, da LFR já permite para o stay period na recuperação judicial. A decisão foi mantida liminarmente pelo Tribunal de Justiça paulista4, reforçando a inexistência de prejuízo aos credores nessa extensão.

Cabe ressaltar ainda que, mesmo quando a mediação não foi suficiente por si só (tendo sido sucedida por um pedido de recuperação judicial), por exemplo, há indicativos de que a prorrogação do prazo do art. 20-B, §1º, da LFR se revelou útil. No caso do Vasco5, por exemplo, a recuperação judicial foi ajuizada após a proteção legal da mediação ter se estendido por 120 dias corridos, culminando no ajuizamento da recuperação judicial já com um plano que contava com a adesão de mais de 50% da classe trabalhista6.

A possibilidade de flexibilização do prazo do art. 20-B, §1º, da LFR, de fato, nos parece correta7. Lembre-se que, nos primeiros anos de vigência da LFR, houve dilema semelhante envolvendo a possibilidade de prorrogação do stay period na recuperação judicial. Se, de um lado, a redação anterior do art. 6º, §4º, da LFR estabelecia que o prazo de proteção legal de 180 dias era "improrrogável" (o que nem sequer ocorre com o art. 20-B), de outro, não tardou para que a jurisprudência entendesse que tal prazo se mostrava absolutamente insuficiente para a construção de um plano de recuperação concreto, passando a admitir, mesmo ao arrepio da expressa disposição legal, a prorrogação do stay period (que se tornou o prazo "improrrogável" mais prorrogado da história). Recepcionando esse entendimento, e até mesmo para colocar algum limite objetivo à prorrogação, a redação atual do art. 6º, §4º, da LFR passou a admitir a prorrogação do stay period uma única vez e por igual período, "desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal".

Essa lógica parece de todo aplicável ao período de suspensão do art. 20-B, §1º, da LFR. Isso porque, por mais que não se trate do stay period propriamente dito (até porque a devedora não está em recuperação judicial e, se a mediação for frutífera, nem sequer precisará estar), o §3º do mesmo dispositivo prevê que todo o período de proteção legal da mediação (inclusive eventuais prorrogações) será necessariamente deduzido do stay period caso a empresa devedora venha a pedir recuperação judicial. Assim, em sendo o próprio stay period prorrogável, a interpretação sistemática da LFR permite concluir pela possibilidade de prorrogação também do período fixado pelo art. 20-B, §1º, da LFR.

Outro caminho viável, ainda que pouco explorado, é admitir a possibilidade de prorrogação do prazo de proteção legal na mediação por meio da celebração de negócio jurídico processual (art. 190 do CPC) entre o devedor e a maioria dos credores sujeitos à mediação - que, nesse cenário, concordariam com a prorrogação. A nosso ver tratando-se de questão procedimental (direito disponível das partes), a prorrogação do prazo de proteção legal poderia ser objeto de acordo entre as partes, desde que haja chancela da maioria simples dos créditos incluídos na mediação, da mesma forma como aliás autoriza o art. 189, §2º, da LFR.

Conclui-se, então, que a mediação e sua respectiva proteção legal (por meio da tutela cautelar) vêm se firmando como importantes instrumentos de reestruturação privada. Sua efetividade, no entanto, dependerá da sensibilidade do Judiciário quanto aos seus reais propósitos e do efetivo engajamento das partes, parecendo-nos possível a prorrogação do prazo do art. 20-B, §1º, da LFR, quando houver real esforço por parte da empresa devedora e real perspectiva da obtenção de uma solução consensual. Trata-se apenas de dar eco às intenções da própria reforma, que busca privilegiar soluções consensuais e viabilizar alternativas de soerguimento que sejam mais eficientes do que a recuperação judicial tradicional.

_______

1 Nesse sentido, foi o Enunciado nº 3 do FONAREF, editado em 2023.

2 Processado perante a 2ª Vara da 1ª RAJ/SP, sob o nº 1003224-85.2024.8.26.0260.

3 Processada perante a 2ª Vara de Falências e RJ de São Paulo/SP, sob o nº 1024422-42.2025.8.26.0100.

4 Autos nº 2137924-48.2025.8.26.0000.

5 Processado perante a 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro/RJ, sob o nº 0943414-78.2024.8.19.0001.

6 Conforme informações prestadas pelas recuperandas (petição de ID 176597227).

7 Conforme defendido por Samantha Longo: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-consensuais/421879/possibilidade-de-dilacao-do-prazo-de-60-dias-na-mediacao-antecedente

 

 

Fonte: Migalhas.

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