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13-08-2021 

Justiça reconhece recuperação judicial estrangeira e aplica decisão de Cingapura

A Justiça brasileira reconheceu pela primeira vez um processo de recuperação judicial estrangeiro. Essa medida permite que decisões proferidas no exterior sejam aplicadas também aqui no país. O aval foi dado pela 3ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro e beneficia a Prosafe SE, empresa com sede na Noruega que atua na exploração de embarcações marítimas e tem navios operando no Brasil - dois deles em contrato de afretamento com a Petrobras.

Essa companhia está em processo de recuperação na Justiça de Cingapura, local em que concentra a maior parte dos seus contratos. Com o reconhecimento do caso, o juiz Diogo Barros Boechat automaticamente estendeu para o Brasil decisão que determina a suspensão de ações de cobrança contra a Prosafe até 28 de setembro.

Essa medida, que aqui no país é conhecida como “stay period”, garante que o patrimônio da Prosafe fique protegido - sem nenhuma possibilidade de penhora, por exemplo - enquanto negocia o pagamento das dívidas com os credores no exterior.

A decisão da Justiça do Rio tem base nas mudanças que ocorreram na legislação brasileira no começo do ano. A Lei de Recuperações Falências (nº 11.101, de 2005) ganhou um capítulo inteiro sobre insolvência transnacional. Trata-se do VI-A, que abrange do artigo 167-A ao 167-Y.

Com a alteração na norma, os juízes de primeira instância ficaram habilitados a reconhecer os processos de insolvência estrangeiros e a cooperar com os tribunais de outros países.

Antes, a única opção era pedir o reconhecimento de sentença estrangeira aqui no Brasil. Esse pedido tinha de ser feito ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, segundo advogados, poderia levar anos para ser decidido pelos ministros.

A primeira tentativa de fazer valer o novo dispositivo da lei ocorreu em março, no Estado de São Paulo, e não surtiu efeito.

O Ministério Público (MP-SP) entrou com um pedido para que a Justiça brasileira se comunicasse com a de Nova York, onde corre a recuperação judicial da Latam. O órgão afirma ter recebido uma notificação da empresa sobre a habilitação dos créditos no processo e quer que essa situação seja esclarecida.

“O MP não é credor da Latam e também não tem o poder de representação individual dos credores da empresa. Essa notificação, portanto, seria nula, não serviria pra intimar os credores brasileiros. Por isso, a necessidade de comunicação entre os juízes”, diz o promotor de Justiça Otávio Joaquim Rodrigues Filho.

A 2ª Vara de Recuperações e Falências de São Paulo negou o pedido por entender que não haveria legitimidade por parte do Ministério Público. Consta na decisão que, pela lei, essa solicitação tem de ser feita por uma autoridade estrangeira e que, até aquele momento, a Justiça americana não havia solicitado a cooperação dos juízes brasileiros.

O MP-SP recorreu dessa decisão e o caso está para ser julgado na 1ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (processo nº 1028 368-61.2021.8.26.0100).

Esse caso envolvendo a Latam e o outro, que está na Justiça do Rio, são bem diferentes. A subsidiária da Prosafe aqui no Brasil, a Prosafe Serviços Marítimos Ltda, não está incluída no processo de recuperação que tramita em Cingapura.

Não existem, além disso, credores brasileiros que possam ser submetidos a esse procedimento. Os contratos com a Petrobras estão firmados com uma empresa holandesa que não está em processo de recuperação - e não sofreram quaisquer alterações.

O juiz da 3ª Vara Empresarial do Rio afirmou, ao decidir de forma favorável à empresa, que os requisitos para o procedimento da insolvência transnacional haviam sido preenchidos: o processo aberto em Cingapura está de acordo com o que a lei brasileira prevê e a Corte nomeou um representante para atuar em nome da empresa em outros países.

No Brasil, além disso, a competência para decidir sobre os pedidos de insolvência transnacional é do juiz localizado na mesma cidade em que está a sede da subsidiária brasileira. Nesse caso, o Rio de Janeiro. A decisão foi proferida em caráter liminar.

“O não reconhecimento do processo estrangeiro ou a demora em fazê-lo, por certo, poderia acarretar prejuízos vultuosos à devedora, pois, apesar da concordância majoritária de seus credores com o pedido formulado perante a Corte de Cingapura, ainda restaria desprotegida, porque sujeita a medidas executivas possivelmente levadas a cabo por credores discordantes”, diz na decisão (processo nº 0129945-03.2021.8.19.0001).

O pedido de reconhecimento do processo de recuperação aqui no Brasil foi feito à Justiça por meio do escritório Kincaid Mendes Vianna. Os advogados foram procurados pelo Valor, mas não quiseram comentar o caso.

Especialista na área de insolvência, Samantha Mendes Longo, sócia do escritório Longo Abelha Advogados, diz que com essa primeira decisão fica demonstrado para o mercado internacional que o Brasil respeita os processos estrangeiros, o que garante segurança às empresas.

Antes, ela diz, existia uma via de mão única: as empresas em recuperação aqui no país conseguiam a validação no exterior, mas as estrangeiras não encontravam guarida no Brasil. OGX, OAS e Oi, por exemplo, obtiveram o reconhecimento dos seus processos nos Estados Unidos.

A advogada chama a atenção que, com o reconhecimento do procedimento estrangeiro, torna-se possível a instauração de um processo auxiliar, aqui no Brasil, para discutir questões como venda de ativos e a extensão do plano de pagamento para credores que estejam no país.

O MP, ao acionar a Justiça de São Paulo para tratar da recuperação judicial da Latam, aborda essa questão. Pede para que o Tribunal de Nova York seja informado sobre a existência da nova lei brasileira e possibilidade de instauração de procedimento auxiliar. “Não pedimos a instauração porque não temos legitimidade. Mas é importante que seja comunicado”, afirma o promotor Otávio Joaquim Rodrigues Filho.

Uma fonte ligada à companhia aérea disse ao Valor que a Latam não estava tentando intimar os credores brasileiros por meio do MP-SP. Disse que a notificação foi enviada porque essa conduta faz parte do processo americano. “É requisito”, frisou.

Procurada pelo Valor, a Latam afirmou que está em contato com seus assessores jurídicos e que, diante das recentes alterações na li, avalia a questão do reconhecimento do processo. Mas, reforça, cabe somente a ela buscar esse reconhecimento.

Fonte: Valor Econômico

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