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24-02-2025 

Habilitação de crédito tributário na falência: prazo decadencial e extinção das obrigações

Com intuito de estimular a discussão sobre os institutos da Lei 11.101/05 (LFR) para que sejam aplicados de forma coerente, ante a complexidade da temática multidisciplinar, importante relembrar que falência é um processo de execução coletiva contra o devedor empresário em crise econômico-financeira, e o quadro-geral de credores (QGC) consolida a ordem de pagamento e as preferências de uns sobre os outros.

Na base principiológica do processo falimentar, destacam-se a preservação da empresa (em razão de sua função social), a celeridade (maior possibilidade de preservar a atividade produtiva e retorno do empresário ao empreendedorismo), a paridade entre os credores (isonomia) e a universalidade do Juízo falimentar (atribuição exclusiva a um único juiz para realizar as contrições sobre bens do devedor), conceitos fundamentais que informam todo o sistema normativo da falência.

O arcabouço principiológico do regime falimentar, especialmente a par conditio creditorum, basilar em execuções concursais, parece inconciliável com a ideia de que o crédito tributário não se submete ao prazo decadencial previsto na LRF para habilitar crédito na falência, em detrimento das demais classes subsequentes, especialmente os credores quirografários e subordinados, impossibilitando a estabilização do QGC e aumentando a imprevisibilidade de recebimento de seus créditos habilitados.

O procedimento de verificação de crédito é deflagrado com a publicação do edital contendo a sentença de quebra e a relação dos credores apresentada pelo falido (artigo 99, p.ú.) e se encerra com a publicação do QGC homologado pelo Juízo.

Ordinariamente, a LFR estabeleceu três portas de entrada para que o credor habilite seu crédito no QGC da falida, sendo elas: habilitação/divergência de crédito (artigo 7º, §1º), impugnação de crédito (artigo 7°, §2°) e ação ordinária de retificação do QGC (artigo 10, §6º).

Incidente de classificação de crédito público

Em paralelo à habilitação/impugnação, a Lei 14.112/20 criou mais uma porta, específica para as Fazendas Públicas, denominada de incidente de classificação de crédito público (ICCP), podendo ser deflagrado perante o administrador judicial (AJ) ou diretamente ao Juízo, a depender do momento processual da falência.

De um modo geral, todas as vias levam o credor ao QGC do falido e a habilitação de crédito funciona como a primeira etapa de verificação das dívidas do falido e se dá perante o AJ. Fechada a porta da habilitação, abre-se a janela da impugnação à relação de credores publicada pelo auxiliar do Juízo. Após homologado, o QGC, ainda existe a fresta da ação ordinária de retificação. Assim, com o decorrer do tempo, as vias vão estreitando e as portas de entrada para o QGC serão completamente fechadas com a consumação do prazo decadencial de 3 anos, contados do decreto falimentar (artigo 10, §10).

Registre-se que os termos “pedido de habilitação” e “habilitação de crédito” geralmente são utilizados pelo legislador em referência aos diversos caminhos que levam o crédito a ser habilitado no QGC do falido. E parece que foi utilizado com esse sentido amplo na norma que estabeleceu o prazo decadencial de três anos para os pedidos de habilitação ou de reserva de crédito. Assim, referida norma não deve ser interpretada restritivamente, até porque, tecnicamente, habilitação de crédito propriamente dita (tempestiva) é procedimento administrativo realizado pelo AJ antes da publicação do edital contendo a relação de credores previsto no artigo 7º, §2º, não havendo que se falar em decadência nessa fase de verificação dos créditos.

Em razão do disposto no artigo 187 do CTN, falava-se que o crédito tributário não se habilitava na falência, mas esse regramento foi aos poucos sendo arrefecido pela interpretação, ao ponto de se pacificar o entendimento pela possibilidade de habilitação do crédito tributário no Juízo Universal, desde que suspensa a execução fiscal [1] ou que não haja pedido de constrição no Juízo Executivo [2].

Mas mesmo antes da Lei 14.112, já era assente na doutrina e jurisprudência que eles se sujeitavam materialmente ao concurso de credores, observando-se o cumprimento das normas que determinam a par conditio creditorum, com a atualização do crédito até a data da falência (artigo 9º, II) e a observância da ordem legal dos créditos prevista nos artigos 83/84, dentre outras.

Prazo decadencial da Lei de Falências

Nesse período, o Juízo Falimentar analisava até prescrição e decadência previstas no CTN, mas justamente agora que a lei falimentar regularizou o procedimento de classificação do crédito tributário perante o Juízo falimentar e delimitou o período para os credores participarem do procedimento concursal, há fortes vozes contrárias à aplicação do prazo decadencial da LFR aos entes fazendários. [3]

Algum desavisado poderá dizer que o prazo decadencial não se aplicaria aos créditos tributários porque é regra restritiva de direito e deveria ser interpretada restritivamente. Assim, como o legislador falou em prazo decadencial para “habilitar crédito”, o instituto não poderia ser aplicado aos incidentes com nomes diversos, tais como impugnação de crédito, ICCP e ação de retificação do QGC, embora tenham a mesma finalidade. Na prática, essa interpretação, demasiadamente restritiva, acabaria negando eficácia ao instituto da decadência, pois bastaria o credor esperar o juiz homologar o QGC e ingressar com a ação de retificação.

Em que pese a mentalidade dos operadores do direito ainda seja guiada pela ideia de superprivilégio dos créditos tributários e da imunidade concursal da Fazenda Pública, com a criação do ICCP, não restam mais dúvidas que os créditos tributários se submetem material e formalmente ao concurso universal de credores.

Foi justamente em prestígio ao juízo universal falimentar e à isonomia que deve ser observada entre os credores que o legislador criou o ICCP para disciplinar o procedimento de verificação desses créditos no concurso universal de credores, prevalecendo a corrente doutrinária que defendia a necessidade de suspensão das execuções fiscais em face do falido (artigo 7º-A, §4º, V).

Fazenda Pública

O tratamento específico aos créditos tributários estabelece que após a publicado do edital com a íntegra da decisão de quebra e a relação de credores apresentada pelo falido (artigo 99, XIII e §1º), o juiz instaurará ICCP para cada Fazenda Pública credora que conste da relação do edital, bem como aquela que, após a intimação, alegue nos autos, no prazo de 15 dias, possuir crédito contra o falido (artigo 7º-A, §1º), com a consequente suspensão das execuções fiscais até o encerramento da falência, sem prejuízo da possibilidade de prosseguimento contra os corresponsáveis (artigo 7º-A, §4º, V).

Caso a Fazenda Pública credora não informe os seus créditos no prazo de 30 dias, após a deflagração do incidente, ocasionará seu arquivamento, sem prejuízo de eventual pedido de desarquivamento, aplicando-se, nesta última hipótese, no que for possível, o disposto no artigo 10, de modo que tramitará nos moldes de uma habilitação retardatária.

Portanto, havendo pretensões tributárias retardatárias, a elas se aplicarão as regras procedimentais apropriadas aos créditos retardatários (artigos 7º-A, §4º, VII, e 10). Assim, o concurso universal de credores, justamente por ser universal, abarca todo e qualquer credor da falida, tal como previsto no artigo 115 da LFR, e o procedimento de verificação de créditos abrange o ICCP.

Nesse sentido, Fábio Ulhoa Coelho sustenta que a norma criadora do ICCP derrogou tácita e parcialmente o artigo 187 do CTN, na parte que estabelecia que a cobrança judicial do crédito tributário não estaria sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, e não haveria que se falar em inconstitucionalidade nessa derrogação, uma vez que a matéria não envolve “normas gerais” em matéria tributária (artigo 146, CF/88). Logo, não demanda regulamentação por lei complementar, sendo certo que a LFR é especial, específica para procedimentos falimentares e posterior ao CTN. [4]

Além disso, segundo o STF, não há hierarquia entre lei complementar e lei ordinária. O que há são campos de atuação diversos, cuja distinção deve ser feita em face da distribuição constitucional de matérias entre as espécies legais. [5]

Decisão do Juízo da Execução Fiscal

A peculiaridade para os créditos tributários é que eles poderão passar por dois filtros, já que ao Juízo da Execução Fiscal compete decidir sobre a existência, a exigibilidade e o valor do crédito, enquanto os cálculos, a classificação, a arrecadação dos bens, a realização de ativo e o pagamento aos credores ficarão à cargo do Juízo Falimentar (artigo 7º-A, §4º, I, II, LRF).

Essa competência remanescente do Juízo Fazendário pode ser justificada em razão das nuances que envolvem os temas, especialmente decadência e prescrição para cobrança do crédito tributário, que demandam análise completa dos autos da execução fiscal e os atos lá praticados, nos termos do REsp 1340553/RS.

Assim, a execução fiscal contra o falido ficou restrita a eventuais questionamentos acerca da existência, exigibilidade e valor do crédito fazendário, sendo certo que a Fazenda Pública deve habilitar seu crédito no QGC, respeitadas as regras procedimentais específicas, já que o filtro do Juízo Falimentar é imprescindível para sua eventual satisfação.

No entanto, essa bifurcação da análise do crédito tributário não parece ser fundamento suficiente para concluir pela impossibilidade de aplicação ao ente fazendário do prazo decadencial previsto na LFR para habilitar/classificar crédito na falência, pois, se assim desejasse o legislador, teria dito expressamente.

Penhora em autos falimentares

Também não mais parece razoável a continuidade da execução fiscal com pedido de penhora no rosto dos autos falimentares, pois não compete ao Juízo Fazendário decidir sobre os cálculos e a classificação dos créditos que serão submetidos ao concurso universal de credores.

Conforme Marcelo Barbosa Sacramone, “a inserção do prazo de decadência é harmônica com a extinção das obrigações do devedor falido. Conforme disposto no art. 158, V, a extinção das obrigações do falido ocorrerá no prazo de três anos contado da decretação da falência”. [6]

Segundo r. decisões de Leonardo Fernando Dos Santos, juiz de direito da 3ª Vara de Falências da Capital/SP, a extinção das obrigações do falido abrange, inclusive, os créditos tributários devidos exclusivamente pelo falido — isto é, pessoa jurídica e eventuais sócios de responsabilidade ilimitada (falida em sentido estrito), não abarcando, portanto, as hipóteses nas quais os sócios ou outros responsáveis estejam respondendo, no juízo competente, na forma do artigo 135 do CTN [7].

Destaca-se que a extinção das obrigações do falido é um benefício legal conferido ao empresário, mediante a socialização das perdas, para equalizar o risco da empreitada e os benefícios gerados pela atividade empresarial à toda coletividade (desenvolvimento econômico, empregos, tributos etc.).

O mesmo raciocínio da extinção das obrigações do falido pode ser aplicado à norma que fixou o prazo decadencial de três anos para sujeitar crédito ao concurso de credores na falência, abrangendo, também, os créditos fazendários.

Decadência e extinção das obrigações do falido

Os institutos da decadência e da extinção das obrigações do falido previstos na LFR, visam, sobretudo, à celeridade do processo concursal e o fomento do empreendedorismo com retorno célere do falido à atividade econômica. A não incidência deles aos créditos tributários comprometeria, por exemplo, o retorno ao empreendedorismo do empresário individual falido.

Segundo Gladston Mamede, a norma inserida no artigo 10, §10, da LRF “como de resto todas as alterações feitas nos parágrafos do artigo 10, tem por finalidade a celeridade do processo concursal, mas, principalmente, sua eficácia. A meta essencial é evitar feitos que se esparramem pelo tempo, infindos, fazendo com que a solução da crise seja excessivamente custosa. Portanto, em face da decretação da falência, cria-se um dever de proficiência, de proatividade, um dever de iniciativa e acuro, sob pena de se caducar o direito respectivo”[8]

Ademais, a decadência prevista na LRF diz respeito exclusivamente à perda do direito de habilitar o crédito no QGC da massa falida e de participar do procedimento concursal. O crédito não mais poderá ser habilitado em face da falida em sentido estrito, mas o devedor solidário, os sócios ou outros responsáveis não serão beneficiados, semelhante ao efeito da extinção das obrigações do falido.

Já a prescrição e a decadência previstas no artigo 156 do CTN, na Lei 6.830/80 e noutras leis correlatas atingem o crédito por completo, pois são instrumentos de extinção do crédito tributário, cuja análise compete ao Juízo da execução fiscal.

Aplicação de prazo decadencial aos créditos fazendários

Também não deveria prosperar eventual alegação de que a instauração do ICCP de ofício pelo Juízo seria um empecilho à aplicação do prazo decadencial aos créditos fazendários, pois os demais créditos também são previamente averiguados pelo AJ na fase administrativa de verificação dos créditos, com base nos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor, independente de requerimento do credor.

Assim, o instituto da decadência deve ser aplicado a todos os credores que não apresentaram seus créditos ou não impugnaram, no prazo legal, a relação de credores elaborada pelo AJ. Nesse sentido, o artigo 7º-A, §4º, VII, da LFR, anuncia que “o disposto no art. 10 desta Lei será aplicado, no que couber, aos créditos retardatários”.

Em síntese, considerando que houve parcial derrogação do artigo 187 do CNT e que o crédito tributário se submete ao concurso formal e material de credores na falência, é possível concluir que a satisfação do crédito tributário perante o falido demanda sua habilitação no QGC no prazo decadencial de três anos, contado do decreto de falência ou da vigência da Lei 14.112, com a consequente suspensão de eventual execução fiscal já instaurada em face do falido, ficando, ainda, o crédito fiscal, sujeito à extinção das obrigações do falido, podendo a execução fiscal seguir seu curso normal em face dos corresponsáveis.

 

[1] Enunciado XI do GCRDE TJSP: A opção da Fazenda Pública pela habilitação do crédito tributário na falência não exige extinção do processo de execução fiscal, desde que comprovada a suspensão em face da falida

[2] Tema Repetitivo 1092: É possível a Fazenda Pública habilitar em processo de falência crédito objeto de execução fiscal em curso, mesmo antes da vigência da Lei n. 14.112/2020, e desde que não haja pedido de constrição no juízo executivo

[3] REsp n. 2.041.563/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 21/5/2024, DJe de 24/5/2024

[4] Comentários à lei de falência e recuperação de empresas. 14ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, fls. 80/81

[5] https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1678191

[6] Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falências, 5ª Edição, 2024, Saraiva, p. 99

[7] Autos nº 0018100-58.2004.8.26.0100 e 0935182-24.1997.8.26.0100

[8] Direito Empresarial Brasileiro – Falência e Recuperação de Empresas, 13ª Edição, Atlas, p. 101

 

Fonte: Conjur.

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