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14-08-2025
Extensão dos efeitos da falência na jurisprudência do TJ/SP
TJ/SP limita extensão da falência, exigindo prova individualizada de fraude e protegendo sócios não administradores.
1. Introdução: Escopo e metodologia
Este trabalho apresenta levantamento de julgados do TJ/SP sobre a extensão dos efeitos da falência, com foco especial na interpretação do art. 82-A da lei 11.101/05:
Art. 82-A. É vedada a extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e aos administradores da sociedade falida, admitida, contudo, a desconsideração da personalidade jurídica.
Parágrafo único. A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida, para fins de responsabilização de terceiros, grupo, sócio ou administrador por obrigação desta, somente pode ser decretada pelo juízo falimentar com a observância do art. 50 da lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (CC) e dos arts. 133, 134, 135, 136 e 137 da lei 13.105, de 16 de março de 2015 (CPC), não aplicada a suspensão de que trata o § 3º do art. 134 da lei 13.105, de 16 de março de 2015 (CPC).
A pesquisa utilizou, no campo "Pesquisa Livre" do site do TJ/SP, o termo "82-A". Na "Ementa", foram utilizados os termos falência "extensão dos efeitos". Na "Classe", foram selecionados agravos de instrumento e apelações cíveis. No "Assunto", Recuperação Judicial e Falência (4993). O levantamento foi concluído em 30 de julho de 2025, resultando em uma base amostral de 47 acórdãos. Desta, foram excluídos 3 acórdãos que tratam de temas sem relevância estatística, resultando em uma amostra específica de 44 julgados.
As decisões foram categorizadas em quatro grupos temáticos a partir das teses centrais:
2. Análise
O Grupo I contém 3 casos (7% da amostra específica) entendendo que, uma vez reconhecida a confusão patrimonial entre o falido e a entidade atingida pela extensão dos efeitos da falência, forma-se um único patrimônio e a par conditio creditorum exige que todos os créditos sejam tratados de forma isonômica, equalizados a uma mesma data-base:
A decisão recorrida tendeu a equiparar os credores, trazendo seus créditos para a mesma data a fim de concorrerem, igualmente, ao um só patrimônio, unificado com a extensão. Se de um lado eram créditos formados em momento distintos, de outro tendem a ser satisfeitos com bens arrecadados em uma só massa. Por isso a homogeneização. [...] E, se lhes acode, a todos, um mesmo patrimônio, razoável assumir que concorram em igualdade de condições, isto é, todos os créditos trazidos para uma só data. E a da falência originária, depois dela não vencendo juros, senão havendo sobra, na forma do art. 26. (TJ/SP; Apelação Cível 1017438-82.2001.8.26.0100; Relator (a): Claudio Godoy; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 10/6/2019).
O Grupo II contém 21 casos (48% da amostra específica) consolidando a necessidade de análise individualizada da responsabilização de terceiros na falência e requerendo demonstração efetiva da conduta fraudulenta, do dano à massa falida e do benefício econômico direto ou indireto auferido pelo terceiro:
O pleito de desconsideração da personalidade jurídica não pode ser formulado, fundamentado, examinado ou deferido genericamente. Tampouco é suficiente reproduzir discurso já amplamente disseminado nos autos sobre as fraudes apuradas na empresa e o suposto benefício experimentado por todos os sócios e administradores. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica deve ser fundamentado em relação a cada sócio ou administrador que se pretenda alcançar, e instruído com a necessária prova do benefício econômico direto ou indireto experimentado por tal sócio ou administrador em decorrência da confusão patrimonial ou do desvio de finalidade da pessoa jurídica com o intuito de fraudar credores. (TJ/SP; Agravo de Instrumento 2078990-10.2019.8.26.0000; Relator (a): Grava Brazil; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Data do Julgamento: 10/9/2019).
O Grupo III contém 9 casos (20% da amostra específica) trazendo a extensão dos efeitos da falência como sanção em casos de grupo econômico de fato em que há fraude e confusão patrimonial inequívoca:
Somente da análise da documentação de fls. 29/30, extrai-se que ambas as empresas atuam no mesmo segmento de atividade econômica, utilizam os mesmos números de telefone, possuem endereço na mesma localização, alterando apenas o Conjunto e/ou a Sala em que estão localizadas. Inclusive, o e-mail constante da HAVANA é '[...]', que remete inequivocamente à Massa Falida. Da ficha cadastral das empresas (fls. 69/73), comprova-se que possuem o mesmo sócio, Sr. Denis .... [...] Tais fatos estabelecem a existência de grupo econômico. [...] Revela-se, assim, perfeita a subsunção às hipóteses de confusão patrimonial descritas no art. 50, §2º do Código Civil. (TJ/SP; Agravo de Instrumento 2029847-13.2023.8.26.0000; Relator (a): Maurício Pessoa; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Data do Julgamento: 1/3/2024).
O Grupo IV contém 11 casos (25% da amostra específica) tratando da irretroatividade da lei 14.112/20, que introduziu o art. 82-A na lei 11.101/05, e da indispensabilidade do IDPJ - incidente de desconsideração de personalidade jurídica:
É que, de fato, com a inclusão do art. 82-A da lei 11.101/05, no ano de 2020, não mais se admite a extensão dos efeitos da falência sem a instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica. [...] Para os efeitos dessa extensão, a desconsideração da personalidade jurídica não possui prazo decadencial, mas apenas poderá ser reconhecida após regular contraditório, o qual já era exigido antes da própria alteração do Código de Processo Civil. (TJSP; Agravo de Instrumento 2353674-43.2024.8.26.0000; Relator (a): Rui Cascaldi; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Data do Julgamento: 11/3/2025).
3. Discussão
Os dados permitem afirmar que o TJ/SP não aplica a extensão dos efeitos da falência de forma indiscriminada. Dois assuntos chamam especial atenção: (i) diferença entre situações de fraude/confusão patrimonial em que não há vínculo jurídico direto do terceiro com o falido (grupo econômico de fato) daquelas em que há esse vínculo (participação societária ou exercício de cargo de administrador), e (ii) proteção do sócio não administrador.
3.1 Extensão dos efeitos da falência e responsabilidade patrimonial subsidiária
Quando não há vínculo jurídico direto, caso de grupo de fato, a extensão dos efeitos da falência tende a ser plena, com o terceiro também sendo declarado falido. Exemplo é o caso Grupo Albertina. A sociedade São Miguel Agro Pecuária Ltda. não possuía vínculo societário direto com a falida Cia. Albertina. Contudo, seu principal ativo (a Fazenda São Miguel II) era utilizado para garantir dívidas da Cia. Albertina, evidenciando subordinação aos interesses do grupo:
No caso concreto, para além da unidade gerencial sob o comando de Viviane (então administradora da agravante e das sociedades falidas), havia efetivo vínculo de subordinação entre a agravante e a Cia. Albertina (principal sociedade do grupo de fato), uma vez que parcela expressiva das atividades econômicas do NEGÓCIO ALBERTINA [...], vinha sendo garantida por bens de titularidade da agravante, sem efetiva contrapartida ou causa jurídica, com prejuízo dos interesses individuais da agravante e submissão aos do grupo societário (TJ/SP; agravo de instrumento 2296689-93.2020.8.26.0000; Relator: Grava Brazil; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Data do Julgamento: 15/6/2021).
Quando, de outro lado, a responsabilização é direcionada a quem tem vínculo com o falido, como um sócio ou administrador, não se lhe estendem efeitos pessoais da falência (não se torna falido), mas se estabelece responsabilidade patrimonial subsidiária. O caso Flypark é um exemplo. Flypark Estacionamentos faliu, tendo como sócia Cristina ME. Demonstrou-se que a GVC Plus, empresa de Giovanna, filha de Cristina, foi utilizada para movimentar recursos da Flypark. O Tribunal estendeu os efeitos da falência à GVC Plus, mas aplicou consequência diversa à sua titular, Giovanna, para a qual foi estabelecida apenas responsabilidade patrimonial subsidiária:
A extensão da falência, cujo efeito vai muito além do que o simples avanço sobre o patrimônio do sócio ou administrador, visto que atribui à pessoa natural a condição de falido, [...] implicaria em excepcionar o que já é excecional, ampliando as consequências da desconsideração, sem previsão legal [...]. Em conclusão, [...] é o caso de acolher em parte o recurso para estabelecer, com relação à pessoa física da agravante Giovanna, [...] que sofrerá a desconsideração da personalidade jurídica, não a extensão dos efeitos da falência, respondendo, subsidiariamente, pelo passivo da falida [...]. (TJ/SP; agravo de instrumento 2182010-46.2021.8.26.0000; Relator (a): Grava Brazil; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Data do Julgamento: 31/3/2022).
3.2 Proteção do sócio não administrador
Outro tema importante é a exigência de prova de interferência direta nas irregularidades praticadas no âmbito da falida pelo sócio que se deseja responsabilizar. No Caso Ítalo, decidiu-se:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECUPERAÇÃO JUDICIAL CONVOLADA EM FALÊNCIA - INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - Julgamento de procedência para responsabilizar os acionistas da falida (pessoas naturais) e as empresas do grupo pelo passivo concursal, inclusive com a extensão dos efeitos da falência - Inconformismo da agravante, acionista sem poderes gerenciais - Acolhimento - Irregularidades apenas demonstrados no que diz respeito aos gestores da empresa - Condição de acionista que se presume tenha autorizado os administradores a promoverem a ação de recuperação judicial, por força do disposto no art. 122, IX, da lei 6.404/1976 - Circunstância, porém, insuficiente para impor sua responsabilização por atos de gestão - Ausência de provas de que tinha ciência ou que contribuiu para a prática dos atos omissivos e comissivos dolosamente praticados pela Administração da sociedade anônima falida - Recurso provido. Dispositivo: deram provimento ao recurso. Acórdão com o 2º Julgador e declara voto o Relator Sorteado.
(TJ/SP; Agravo de instrumento 2253091-21.2022.8.26.0000; Relator (a): Ricardo Negrão; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Monte Alto - 1ª Vara; Data do Julgamento: 13/6/2023; Data de Registro: 4/7/2023)
O Caso Mondelli vai no mesmo sentido:
Sendo incontroverso que as agravantes não exerceram cargos de administração, nem detinham o controle da sociedade falida, e sendo o ônus da prova de quem alega (portanto, daquele que pretende a desconsideração), deve-se examinar, [...] se está efetivamente comprovado, nestes autos, o benefício direto ou indireto experimentado pelas agravantes como resultado do desvio de finalidade ou da confusão patrimonial [...]. Examinando-se os autos, não se verifica a existência de prova de que as agravantes, pessoas físicas e pessoa jurídica, tenham se beneficiado, direta ou indiretamente, do desvio de finalidade e da confusão patrimonial fraudulentos apontados pela administradora judicial. (TJ/SP; agravo de instrumento 2078990-10.2019.8.26.0000; Relator(a): Grava Brazil; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Data do Julgamento: 10/9/2019)
Conclusão
Os acórdãos revelam entendimento firme de que, ao tratar da extensão dos efeitos da falência, o TJ/SP valoriza a prova robusta e a análise individualizada da conduta dos agentes. As conclusões estão em linha com a pesquisa anterior "Art. 50 do CC na jurisprudência do TJ/SP", publicada no Migalhas em 18 de março de 2025.
A convergência mais notável entre as análises é a necessidade de demonstrar um contexto societário utilizado para fraudar credores. Destaque-se, porém, que a jurisprudência falimentar mostra-se mais refinada ao distinguir as consequências da fraude: para casos de grupo econômico de fato, a tendência é a extensão plena dos efeitos da falência; para sócios e administradores, a solução tem sido a responsabilização patrimonial subsidiária, sem declará-los falidos. Relevante, também, a posição sobre a proteção ao sócio não administrador, demandando-se prova de sua interferência direta e de seu benefício econômico na fraude ocorrida no âmbito da falida para que possa ser responsabilizado no IDPJ.
Fonte: Migalhas.