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14-10-2025 

Exigência de CND para concessão da recuperação judicial

Condicionar recuperação judicial à regularidade fiscal pode criar barreira insuperável para empresasc

De acordo com o art. 57 da Lei 11.101/2005, “após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembleia geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei 5.172/1966 – Código Tributário Nacional”.

Nos primeiros anos de vigência da Lei 11.101/2005, consolidou-se entendimento doutrinário e jurisprudencial de invalidade da exigência do art. 57 diante da ausência de lei específica de parcelamento.[1] Tempo depois, a Lei 13.043/2014 finalmente disciplinou o parcelamento tributário específico para quem pede recuperação judicial, previsto no art. 68 da Lei 11.101/2005, acrescentando o art. 10-A na Lei 10.522/2002.

Após a edição dessa lei, muitos esperavam uma mudança na jurisprudência, mas isso não ocorreu: juízos e tribunais brasileiros continuaram não aplicando o art. 57 da Lei 11.101/2005, e quando o assunto chegou ao STJ, no julgamento do REsp 1.864.625, a 3ª Turma decidiu que “a apresentação de CND não constitui requisito obrigatório para concessão do pedido de recuperação judicial

Entretanto, a decisão de Relatoria da Ministra Nancy Andrighi teve seus efeitos sobrestados por decisão liminar do Ministro Luiz Fux, do STF, proferida na Rcl 43.169. Segundo o Ministro, o afastamento da exigência de CND, prevista no art. 57 da Lei 11.101/2005, exigiria o respeito à cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CF/88), o que não ocorreu (Súmula Vinculante 10).

Essa liminar, porém, durou pouco: o Ministro Dias Toffoli a derrubou e negou seguimento à reclamação da União, sob o fundamento de que “a controvérsia relativa à exigência de apresentação de CND na forma do art. 57 da Lei 11.101/2005 é eminentemente infraconstitucional, como já decidiu o Plenário da Corte em sede de controle concentrado, nos autos da ADC 46”. Sendo infraconstitucional a controvérsia, concluiu Toffoli, o julgamento da 3ª Turma do STJ foi legítimo e não ofendeu diretamente a cláusula de reserva de plenário e a Súmula Vinculante 10: “o que fez a 3ª Turma do STJ foi olhar a teleologia da Lei 11.101/2005, como um todo, e procurar a solução que apresentava menor restrição possível às normas legais que nortearam o instituto da recuperação judicial”.

Mas se enganou quem achou que essa “novela” terminaria aí. Com a reforma da Lei 11.101/2005 pela Lei 14.112/2020, o parcelamento tributário específico para devedores que pedem recuperação judicial teve suas regras alteradas: aumentou-se o número de prestações (de 84, passaram para 120), o escalonamento das parcelas ficou mais vantajoso e se admitiu expressamente o uso de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa para liquidação de parte da dívida. Ademais, a Lei 14.112/2020 ainda incluiu o art. 10-C na Lei 10.522/2002, permitindo que o devedor que pede recuperação judicial faça proposta de transação tributária, com prazo máximo de quitação de até 120 (cento e vinte) meses e reduções de até 70% (setenta por cento).

Após essas mudanças, era preciso esperar um pouco para ver como os juízos e tribunais brasileiros agiriam: continuariam não aplicando a exigência de CND prevista no art. 57 da Lei 11.101/2005 ou passariam a aplicá-la?

A verdade é que, “na ponta”, houve alteração da jurisprudência: vários juízos e tribunais brasileiros passaram a exigir a apresentação de CND para concessão da recuperação judicial após a reforma da Lei 11.101/2005 pela Lei 14.112/2020, merecendo destaque o TJSP – tribunal que mais analisa casos de recuperação judicial no País –, cujas câmaras reservadas de direito empresarial aprovaram o seguinte enunciado sobre o tema.[2]

No entanto, o STJ continuou reafirmando sua jurisprudência anterior (cujo paradigma era o já mencionado REsp 1.864.625), sendo possível encontrar vários precedentes de 2022, de ambas as Turmas da Segunda Seção, no sentido da inexigibilidade de apresentação de CND para concessão da recuperação judicial. [3]

A controvérsia permaneceu, até que o STJ finalmente “bateu o martelo” e decidiu pela necessidade de apresentação de CND para concessão da recuperação judicial, em julgado paradigmático que até hoje representa o entendimento consolidado da Corte Superior sobre o tema.[4]

Esta vem sendo, desde então, a jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça sobre a questão[5].

Não obstante a consolidação jurisprudencial no sentido da exigência da regularidade fiscal como pressuposto para concessão da recuperação judicial, cumpre ressaltar que essa interpretação, embora legalmente respaldada, ainda suscita críticas relevantes sob a ótica principiológica e da finalidade do instituto da recuperação empresarial.

A Lei 11.101/2005, em seu art. 47, consagra de forma expressa que a recuperação judicial tem por objetivo “viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

Ao condicionar a concessão da recuperação judicial à demonstração de regularidade fiscal, ainda que mitigada pela possibilidade de obtenção de certidões positivas com efeito de negativa, corre-se o risco de tornar a exigência uma barreira insuperável para empresas que, embora viáveis sob a ótica econômica, enfrentam dificuldades pontuais com o Fisco, dificuldades essas que, em muitos casos, derivam diretamente da crise que justificou o pedido de recuperação judicial. Trata-se, portanto, de uma exigência que desconsidera a realidade do devedor em crise e a própria lógica do sistema recuperacional, cuja essência está na preservação da empresa como unidade produtiva, e não na sua regularidade formal e fiscal prévia.

Diante disso, embora se reconheça o avanço normativo representado pela Lei 14.112/2020 no tocante à ampliação das possibilidades de parcelamento e transação fiscal, o ideal seria que o legislador revogasse expressamente o art. 57 da Lei 11.101/2005 ou, ao menos, delimitasse hipóteses excepcionais de dispensa da CND com base em critérios objetivos.

Essa medida seria mais compatível com a finalidade teleológica do instituto da recuperação judicial e com os princípios da função social da empresa, da preservação da atividade econômica e da proporcionalidade, evitando-se que formalidades tributárias impeçam soluções econômicas viáveis e socialmente benéficas para empresas em situação de crise, sufocando desnecessariamente a atividade econômica, e, em última análise, preservando empregos.

[1] (Enunciado 55 das Jornadas de Direito Comercial; REsp 1.187.404/MT, Corte Especial, Rel. Luis Felipe Salomão, 19/6/2013, DJe 21/8/2013).

[2] Enunciado XIX

[3] AgInt no REsp 1.998.612/SP; AgInt no AREsp n. 1.841.841/RJ

[4] REsp n. 2.053.240/SP

[5] “Como consequência das alterações legislativas promovidas pela Lei 14.112/20, este Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento no sentido de reconhecer a imprescindibilidade da apresentação de certidões negativas de débitos fiscais, reputadas essenciais para o deferimento do pedido de soerguimento.” (AgInt no AREsp n. 2.688.296/PR, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 25/11/2024, DJEN de 29/11/2024.)

 

Fonte: JOTA.

 

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