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27-11-2025
Cooperativas de crédito e a recuperação judicial
O Brasil vive um curioso paradoxo jurídico. De um lado, a Lei de Recuperação Judicial se propõe a preservar empresas viáveis em crise, resguardando empregos e equilíbrio econômico. De outro, o§13 do art. 6º da Lei 11.101/2005 cria uma brecha que permite a certas cooperativas de crédito escapar da jurisdição recuperacional sob o argumento de que suas operações decorrem de “atos cooperativos típicos”. Na teoria, o dispositivo parece proteger o espírito do cooperativismo. Na prática, tornou-se um refúgio normativo para operações financeiras de natureza abertamente bancária.
Em recente decisão emblemática proferida pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso, em sede do Agravo de Instrumento nº 1031548-72.2025. Ao analisar o caso da recuperação judicial de produtores rurais, o relator, desembargador Dirceu dos Santos, desfez a ficção. Reconheceu que os contratos firmados com o Sicoob Cocre não tinham nada de mutualismo: havia juros remuneratórios de mercado, cobrança de IOF, CET anual de 10,26%, hipoteca de imóveis avaliados em R$ 22 milhões e cláusulas típicas de mútuo mercantil. Em outras palavras, banco travestido de cooperativa.
Essa decisão não é apenas correta sob o ponto de vista técnico. É uma defesa da lógica sistêmica da recuperação judicial. O princípio da universalidade do juízo recuperacional não admite exceções ampliadas por analogia. O §13 do art. 6º é uma exceção e, como toda exceção, deve ser lida restritivamente. Permitir que uma cooperativa que opera como instituição financeira fique fora do processo é romper o equilíbrio da par conditio creditorum e trair o princípio da preservação da empresa, que é o núcleo axiológico da Lei nº 11.101/2005.
O cooperativismo autêntico ̶ o que nasceu da solidariedade econômica e da união de pequenos produtores é um valor a ser protegido. Mas o que se vê, cada vez mais, são entidades que mantêm a forma cooperativa apenas como mecanismo de blindagem jurídica, operando com fins lucrativos, remuneração de quotas e alcance nacional. Quando isso ocorre, o vínculo associativo desaparece, e o ato cooperativo típico deixa de existir.
A Lei Complementar nº 130/2009 é explícita ao equiparar cooperativas de crédito às instituições financeiras. Não há, portanto, espaço legítimo para exceção. O cooperativismo bancário é parte do sistema financeiro nacional, sujeito às mesmas regras, aos mesmos riscos e ̶ sobretudo ̶ às mesmas consequências jurídicas.
A decisão do TJ-MT consolida uma tendência que deve ganhar corpo nos tribunais: submeter os créditos das cooperativas de crédito aos efeitos da recuperação judicial sempre que a natureza das operações for mercantil. Esse entendimento não ameaça o cooperativismo; pelo contrário, purifica-o. Preserva a ideia de cooperação genuína e impede que o discurso solidário seja usado para escapar do dever de igualdade entre credores.
No fim, o que está em jogo não é apenas uma disputa interpretativa entre o mutualismo e o mercantilismo. É uma questão de honestidade institucional. Se a cooperativa atua como banco, cobra como banco e lucra como banco, deve responder como banco. E nenhuma forma societária ̶ por mais nobre que se proclame ̶ tem o direito de se esconder atrás da retórica do cooperativismo para negar a força da lei que busca preservar a empresa e a justiça econômica.
Fonte: Rota Jurídica.
(48) 3433.8525/3433.8982