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26-11-2023 

Convocação da assembleia-geral de credores

A Lei de Recuperações e Falência, comumente designada pela sigla “LRF”, confere à assembleia-geral de credores (AGC) a competência para deliberar acerca da aprovação, alteração ou rejeição do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor, conforme disposto no artigo 35, inciso I, alínea “a”. Tal disposição constitui a concretização da natureza contratual que o legislador, mediante a Lei nº 11.101/05, objetivou conferir ao processo de recuperação judicial, tornando-se ponto crucial do feito de soerguimento.

A AGC se configura como um órgão colegiado representativo das distintas classes de credores participantes diretamente no processo de recuperação judicial, desempenhando um papel significativo no que tange ao plano de recuperação judicial.

Nesse contexto, detém a competência para deliberar sobre a aceitação na forma apresentada pelo devedor, a rejeição ou a introdução de modificações durante o transcurso do referido conclave. É nesse fórum que as partes se reúnem para analisar a proposta apresentada pelo devedor, bem como para adotar outras medidas previstas em lei que contribuam para a otimização do andamento da recuperação judicial.

Para os credores, é imperativo ter ciência de que a recuperação judicial não implica na recuperação integral imediata de seus créditos. De certa maneira, esse processo retira do magistrado a intervenção direta na decisão concreta relacionada ao destino da empresa, conferindo à matéria uma abordagem de cunho econômico, em detrimento do excessivo formalismo processual presente na legislação precedente. O conclave dos credores, por meio da confrontação de ideias e da discussão das questões em pauta, proporciona a oportunidade para explicações, deduções e a emergência de novas alternativas.

Existindo a apresentação de objeções ao plano, é a Assembleia Geral de Credores que determinará as chances de recuperação do devedor em crise, ressaltando-se que nessa fase da recuperação judicial verifica-se relativa redução dos poderes do juiz.

Contudo, é inquestionável que, uma vez deferida a Recuperação Judicial, os credores frequentemente interpõem diversos recursos contra essa decisão. Compreensivelmente, pois, quem almejaria submeter seu crédito aos efeitos de um processo de soerguimento, diluindo-se o prazo de pagamento em extensas prestações e sujeitando-se a substanciais deságios?

Nesse contexto, é também manifesto que, diante de todos os prazos processuais a serem observados e, principalmente, em virtude da falta de celeridade do Poder Judiciário, é plausível considerar a possibilidade de um prolongado decurso temporal.

Nesse quesito, convém destacar a situação da recuperação judicial do produtor rural. Em que pese a LRF, em sua recente alteração legislativa pela Lei nº 14.112/2020, tenha positivado a possibilidade de o empreendedor rural pleitear a recuperação judicial, fato é que nos anos antecedentes, existiam divergentes posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do tema.

Assim, mesmo com o deferimento do processamento da recuperação judicial do produtor rural, muitas vezes, o Tribunal Estadual revertia a decisão, desencadeando uma série de recursos por parte de cada uma das partes para fazer prevalecer seu entendimento, resultando em atrasos consideráveis na timeline do processo recuperacional.

Consequentemente, até que fosse alcançada a decisão final sobre tais recursos, era comum observar a passagem de períodos prolongados, com os autos originais permanecendo estagnados. Nesse contexto, é inegável que, diante de suas substanciais dívidas, os Recuperandos iniciavam negociações com seus credores durante esse período, aproveitando o ambiente negociável delineado pela LRF e, de certa forma, maturando o feito.

Contudo, o imbróglio que se cria é: nesses casos específicos em que já se perpassou considerável tempo, seria obrigatório o trâmite administrativo da publicação de edital da lista de credores apresentadas pelo devedor (artigo 51, III da LRF), bem como a abertura de prazo para habilitação e divergências administrativas (artigo 7º, §1º da LRF), seguida pela publicação da Lista de Credores pelo Administrador Judicial (artigo 7º, §2º da LRF) e, ainda, o prazo para apresentação de objeção ao Plano de Recuperação Judicial (artigo 55 da LRF) para, então, ser realizada a Assembleia-Geral de Credores?

A própria Lei de Recuperações e Falências possui expresso em seu corpo: a atualização das fases processuais do processo de recuperação judicial não se trata de condição sine qua non para a realização da Assembleia-Geral de Credores, uma vez que o poder legislativo atribuiu a possibilidade de realização do ato assemblear com base: 1) no quadro-geral de credores; 2) na relação de credores apresentada pela administração; 3) ou, ainda, na relação apresentada pelo próprio devedor.

É neste ponto que repousa a principal fonte de confusão para grande parte dos profissionais do direito especializados em insolvência.

Ocorre que, com o engessamento da necessidade de se valer dos trâmites administrativos para o andar das fases processuais dos Recuperandos, verifica-se que se vê deixada de lado a própria redação do artigo 39 da Lei nº 11.101/2005 que traz a imprescindível flexibilidade para o feito recuperacional para a aprovação do Plano de Recuperação Judicial, à luz do basilar princípio da salvação da atividade empresarial em risco, vejamos:

Artigo 39. Terão direito a voto na assembléia-geral as pessoas arroladas no quadro-geral de credores ou, na sua falta, na relação de credores apresentada pelo administrador judicial na forma do artigo 7º , §2º , desta Lei, ou, ainda, na falta desta, na relação apresentada pelo próprio devedor nos termos dos artigos 51, incisos III e IV do caput, 99, inciso III do caput, ou 105, inciso II do caput, desta Lei, acrescidas, em qualquer caso, das que estejam habilitadas na data da realização da assembléia ou que tenham créditos admitidos ou alterados por decisão judicial, inclusive as que tenham obtido reserva de importâncias, observado o disposto nos §§1º e 2º do artigo 10 desta Lei.

[…] §2º As deliberações da assembléia-geral não serão invalidadas em razão de posterior decisão judicial acerca da existência, quantificação ou classificação de créditos”.

Neste espeque, mister destacar que, para resguardar os possíveis credores lesados com o não abarcamento dos efeitos de soerguimento, a legislação também prevê a possibilidade de habilitação e impugnação de crédito de maneira tardia, sem prejuízo ao recebimento do seu título, nos termos do artigo 10 da LRF.

Entretanto, em consonância com §2º acima transcrito, a previsão legal é direta ao expressar que, por mais que haja novas deliberações judiciais a respeito da existência, quantificação ou classificação de créditos, os termos deliberados na AGC não serão invalidados, sendo mais uma razão pela qual é afastada a imprescindibilidade da análise administrativa da Administração Judicial.

Nesse sentido, o eg. TJSP, pioneiro em decisões a respeito da recuperação judicial, possuía o entendimento pela possibilidade de instauração da Assembleia-Geral de Credores com base na lista do devedor (artigo 51, inciso III da LRF), em seus termos:

“RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Decisão que homologou plano de recuperação, aprovado em assembleia de credores. Alegação de vício, por ausência de publicação do edital na imprensa oficial. Decisão homologatória que transitou em julgado. Preclusão. Comprovação, ademais, pelo Administrador de que o edital foi publicado no DJE. Formalidade do art. 36 da LRF atendida. Assembleia que se instalou e realizou com base na primeira lista de credores, a lista do devedor. Artigo 51 III e IV LRF. Possibilidade. Artigo 39 LRF. Ausência de irregularidade. Recurso desprovido” [1].

Ou seja, se não tiverem sido publicados, na data da assembleia, o quadro-geral de credores, nem a lista do artigo 7º §2º, a assembleia se organiza conforme a lista apresentada pelo próprio devedor, de forma que a homologação do plano aprovado pelos credores pode ocorrer antes mesmo da publicação da lista de credores do Administrador Judicial.

Ainda, a jurisprudência também é pacífica no sentido de que a convocação do conclave se dê pela publicação do QGC, bastando-se somente à apresentação de objeções ao PRJ, senão vejamos:

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CONVOCAÇÃO E REALIZAÇÃO DE ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES. REQUISITO. OBJEÇÃO AO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL POR QUALQUER CREDOR. CONDICIONAMENTO À PUBLICAÇÃO DO EDITAL DO QUADRO GERAL DE CREDORES. IMPOSSIBILIDADE. FASES DISTINTAS E PARALELAS ENTRE SI. I. No âmbito do procedimento da recuperação judicial, a convocação e realização de assembleia geral de credores não está condicionada à publicação do quadro geral de credores, mas apenas à existência de objeção ao plano recuperacional por parte de qualquer credor (artigo 56, da LRF). II. Na falta do quadro geral de credores, o direito a voto, nos termos do artigo 39, caput, da Lei nº 11.101/2005, será conferido àquelas pessoas arroladas na relação de credores apresentada pelo administrador judicial, na forma do artigo 7º, §2º, do mesmo diploma legal. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO” [2].

Além do mais, o ilustríssimo doutrinador Manoel Justino Bezerra Filho segue este exato posicionamento afirmando que: “pode ocorrer que ainda não se tenha chegado ao momento previsto no §2º do artigo 7º e, em tal caso, os votantes serão aqueles constantes da relação apresentada pelo próprio devedor na recuperação judicial (incisos III e IV do artigo 51)” [3].

Sob este prisma, pretender seguir com os dispensáveis trâmites administrativos, os quais resultarão numa demora mínima de um semestre, resulta em total afronte ao princípio da celeridade, eficiência e da economia processual que regem a recuperação judicial, conforme previsto no artigo 75, §1º.

Dessa maneira, conclui-se que, diante de casos específicos em que se pode encontrar a maturação do processo de recuperação judicial, a Lei de Recuperação e Falências prevê a possibilidade de se realizar o ato assemblear com base na lista de credores apresentada pelo devedor, realizando, assim um feito célere e que atende ao princípio basilar da continuidade da sua função social.

Posto isso, indubitavelmente, crê-se na possibilidade de que mais players do processo de soerguimento façam a adesão deste entendimento, para que, assim, volte-se o ambiente negocial proposto pela LRF.

[1] TJ-SP – AI: 01055373420138260000 SP 0105537-34.2013.8.26.0000, relator: Teixeira Leite, Data de Julgamento: 10/10/2013, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 15/10/2013

[2] TJ-GO – AI: 54734145420208090000 GOIÂNIA, relator: desembargador (a). Desembargadora Amélia Martins de Araújo, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: (S/R).

[3]  BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência. 9ª ed., São Paulo: RT, 2013, nota 2 ao artigo 39, p. 130.

 

Fonte: Conjur.

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