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25-07-2025 

Busca e apreensão extrajudicial e recuperação judicial do produtor rural: Análise das recentes alterações e seus impactos

As novas regras de busca e apreensão extrajudicial impactam a recuperação judicial do produtor rural, exigindo equilíbrio entre efetividade do crédito e preservação da atividade.

As recentes alterações na norma que rege a busca e apreensão extrajudicial de bens móveis têm suscitado relevantes discussões no âmbito do direito agrário e da recuperação judicial, sobretudo no que concerne à posição do produtor rural enquanto devedor em crise. Com a crescente complexidade das operações financeiras envolvendo bens rurais, a consolidação extrajudicial da propriedade fiduciária ganha destaque, influenciando diretamente a dinâmica de recuperação das empresas do setor.

Embora essas medidas visem conferir maior celeridade e efetividade à atuação do credor diante do inadimplemento do devedor, seus reflexos sobre o produtor rural em recuperação judicial são expressivos, especialmente no tocante à preservação da atividade produtiva e a essencialidade dos bens dados em garantia.

Principais regras instituídas pelo provimento 196 de 04 de junho de 2025

Conforme sabido, a alienação fiduciária de bens móveis, atualmente disciplinada pelo decreto-lei 911, de 1º de outubro de 1969, com as modificações introduzidas pela lei 14.711, de 30 de outubro de 2023, configura um negócio jurídico de garantia por meio do qual o devedor (fiduciante) transfere ao credor (fiduciário) a propriedade resolúvel do bem móvel dado em garantia, ou seja, o fiduciante permanece na posse direta do bem, enquanto o credor fiduciário detém apenas a propriedade, até o adimplemento integral da obrigação garantida.

Em caso de inadimplemento, o credor fiduciário adquire o direito à posse plena e exclusiva do bem, podendo exercer a faculdade de retomar o bem mediante procedimento judicial ou extrajudicial.

Com a promulgação da lei 14.711, de 30 de outubro de 2023, que instituiu o Marco Legal das Garantias, o legislador promoveu profundas alterações no regime da alienação fiduciária de bens móveis, notadamente por meio da inserção dos arts. 8º-B, 8º-C, 8º-D e 8º-E no decreto-lei 911/1969, que consolidaram a viabilidade da execução extrajudicial da garantia fiduciária.

Com a edição do provimento 196/251, o Conselho Nacional de Justiça regulamentou, em âmbito nacional, o procedimento de busca e apreensão e consolidação da propriedade fiduciária de bens móveis de forma extrajudicial, por meio do Ofício de Registro de Títulos e Documentos, visando conferir maior celeridade e efetividade à satisfação do crédito.

Entre as inovações introduzidas pelas novas disposições legais, destaca-se a imposição de um conjunto de exigências formais ao contrato de alienação fiduciária, as quais constituem condições essenciais à validade da execução extrajudicial da garantia, notadamente a inserção de cláusula expressa autorizando a execução extrajudicial da garantia.

Ademais, o prévio registro do contrato de alienação fiduciária no Ofício de Registro de Títulos e Documentos não constitui requisito obrigatório para que o credor fiduciário possa se valer do procedimento de consolidação extrajudicial da propriedade ou do processo de busca e apreensão de bem móvel.

Para fins de instrução do requerimento inicial da execução extrajudicial da garantia fiduciária de bem móvel, considerar-se-á válido o comprovante de constituição em mora do devedor, bastando, para tanto, a comprovação do envio, pelo credor fiduciário, de carta com AR - aviso de recebimento (AR) encaminhada ao endereço indicado no contrato, dispensando-se a demonstração do efetivo recebimento da correspondência pelo devedor fiduciante.

Na sequência, o Oficial do Registro de Títulos e Documentos deverá proceder à expedição de notificação ao devedor, preferencialmente por meio eletrônico, com a informação de que a partir da comprovação da leitura da notificação eletrônica, inicia-se o prazo de 20 (vinte) dias corridos para que o devedor promova o pagamento voluntário do débito ou apresente impugnação que ficará limitada à alegação de falha material no cálculo da dívida ou omissão de pagamentos que comprovadamente efetuou.

Na hipótese de inexistência de pagamento voluntário no prazo legal, ou ainda, de não conhecimento ou indeferimento da impugnação apresentada, o devedor fiduciante estará obrigado a, no prazo de 20 (vinte) dias corridos, entregar ou disponibilizar o bem móvel ao credor fiduciário. Caso o devedor permaneça inerte ou se recuse a cumprir essa obrigação, o credor fiduciário poderá requerer ao Oficial do Registro de Títulos e Documentos a realização da busca e apreensão do bem por via extrajudicial.

A localização do bem para a apreensão fica à cargo do credor, ou seja, há a possibilidade de monitoramento privado do devedor, o que confere ao credor ou à entidade contratada a possibilidade de acompanhar, por meios próprios, a localização do bem.

Após a apreensão do bem, o devedor fiduciante será notificado, para que, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, exerça o direito de reverter a consolidação da propriedade mediante o pagamento integral da dívida, ou seja, prazo para purgar a mora e reaver a posse do bem.

Tais medidas, embora voltadas à eficiência na recuperação do crédito, suscitam importantes reflexões sobre a proteção do devedor em situações de vulnerabilidade econômica, como nos casos de recuperação judicial, sobretudo no setor rural, onde a essencialidade dos bens à atividade produtiva é frequentemente invocada como limite à agressividade na cobrança.

Impactos na recuperação judicial

Sabe-se que, no âmbito do produtor rural, é prática comum a celebração de contratos com gravame de alienação fiduciária para a aquisição de veículos, maquinários e equipamentos essenciais à operacionalização das atividades produtivas. Esses bens representam ativos fundamentais para o desenvolvimento das operações agrícolas e pecuárias, sendo indispensáveis para a manutenção da capacidade produtiva e geração de receita do produtor rural.

Em que pese à disposição do art. 49, §3º, da lei 11.101/05, estabelece que os credores fiduciários não se sujeitam à recuperação judicial, há uma interpretação consolidada que busca resguardar a efetividade do procedimento. Nesse sentido, para não comprometer a reestruturação empresarial nem a posterior aprovação do plano de recuperação, impõe-se o impedimento à retomada dos bens de capital essenciais à atividade da empresa durante o período de blindagem (stay period).

Em suma, o stay period visa evitar que a retirada abrupta dos ativos fundamentais comprometa a continuidade das atividades da empresa, a viabilidade do processo de soerguimento e, consequentemente, os interesses dos credores.

Corroborando com essa premissa, convém mencionar o entendimento do doutrinador Sérgio Campinho acerca do bem de capital essencial, in verbis:

"Por bem de capital essencial, parece-nos que deva ser entendido todo aquele que serve a mais de um ciclo produtivo ou operacional do devedor, não acompanhando o produto final, mas permanecendo na posse do devedor e encontrando-se apto a ingressar em um novo ciclo econômico, sendo, desse modo, necessário à manutenção da atividade produtiva. É um bem corpóreo, móvel ou imóvel"2.

Na recuperação judicial, há especial conflito entre a tutela do direito real do credor fiduciário e a necessidade de preservação dos meios de produção indispensáveis à reestruturação econômica do devedor, especialmente no setor rural, onde a atividade produtiva depende diretamente do uso contínuo de máquinas, veículos e equipamentos financiados sob essa modalidade de garantia.

Por essa razão, ganha relevo o debate em torno da recente possibilidade de execução extrajudicial da garantia fiduciária, tendo em vista os riscos significativos que essa modalidade pode representar aos devedores, especialmente no que diz respeito à legalidade da cobrança e à regularidade da notificação de constituição em mora promovida pelo credor.

Desse modo, a condução unilateral do procedimento, ainda que amparada por previsões legais e regulamentares, pode suscitar dúvidas quanto à observância do devido processo legal, do contraditório e da boa-fé objetiva, sobretudo diante da fragilidade informacional de alguns produtores rurais e da ausência de controle judicial prévio sobre os atos executórios.

Além disso, não é incomum que ações de busca e apreensão sejam ajuizadas sob segredo de justiça, com o objetivo de viabilizar a retomada de bens que já foram expressamente reconhecidos como essenciais à atividade empresarial pelo juízo da recuperação judicial, cujas decisões, por sua natureza pública, são amplamente divulgadas.

Com a ampliação da possibilidade de execução extrajudicial da garantia fiduciária, esse risco torna-se ainda mais relevante, uma vez que não há, nesse procedimento administrativo, qualquer controle prévio ou concomitante por parte do judiciário, o que compromete o processo de reestruturação, permitindo que credores adotem medidas unilaterais que podem inviabilizar a preservação da atividade econômica do devedor.

Assim, embora o novo provimento facilite a execução privada da garantia, no âmbito da recuperação judicial sua aplicação deve ser analisada à luz da essencialidade do bem, sob pena de esvaziar a finalidade precípua da recuperação judicial.

_______

1 https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/6161

2 CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial - Falência e Recuperação de Empresa. 15ª Ed. São Paulo: SaraivaJur, 2025.

 

 

Fonte: Migalhas.

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