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26-11-2025 

As causas estruturais das recuperações judiciais no varejo

Pedidos de recuperação disparam com consumo fraco, crédito caro e modelos defasados. Confiança abalada acelera perdas e exige reestruturação rápida.

O aumento dos pedidos de recuperação judicial no varejo confirma uma tendência estrutural, reflexo direto de um ambiente econômico ainda pressionado, de margens operacionais cada vez mais estreitas e de modelos de negócio que não acompanharam a velocidade das transformações do consumo e do crédito. O cenário, por ora, não indica melhora. Segundo o IVS - Índice do Varejo Stone, as vendas do comércio recuaram 0,5% no 3º trimestre de 2025 em relação ao mesmo período de 2024, fruto da cautela dos consumidores diante da inflação persistente e das altas taxas de juros. 

Essa retração pressiona um setor que depende fortemente da confiança dos clientes, tornando qualquer processo de recuperação judicial especialmente delicado. A explicação é simples: quando uma indústria entra em recuperação, o impacto se restringe a credores e fornecedores, mas quando uma varejista faz o mesmo, há reflexos imediatos no caixa, na imagem e no relacionamento com o mercado. O consumidor associa recuperação judicial à falência.

Mesmo que juridicamente equivocada, essa leitura afeta diretamente a receita. O caso das Lojas Americanas, com dívidas estimadas em mais de R$ 43 bilhões no auge da crise, é o exemplo mais emblemático de como a fragilidade de controles internos e o excesso de alavancagem podem comprometer rapidamente a confiança de credores, fornecedores e consumidores.

Outra fragilidade do setor é que ele vive de giro. Linhas de financiamento, antecipação de recebíveis e crédito de fornecedores são o que mantém a operação de pé. Quando a empresa entra em recuperação, essas fontes secam (ou encarecem) de forma abrupta. A situação se agrava porque, diferentemente de outros setores, as varejistas não costumam ter ativos tangíveis para oferecer como garantia ou gerar liquidez na hipótese de alienação. Além disso, mesmo em um contexto de digitalização acelerada, as lojas físicas seguem sendo essenciais para transmitir credibilidade ao consumidor e servir de apoio logístico, dificultando cortes radicais de custos.

Alguns segmentos estão mais expostos do que outros. O de eletrodomésticos, por exemplo, é mais dependente de crédito e sujeito à flutuação da renda do consumidor. O de moda também enfrenta turbulências, pressionado por um ambiente de competição digital em que marcas novas conseguem escalar rapidamente com custos baixos. Foi o caso da Marisa, que buscou reestruturação fora do Judiciário e reduziu significativamente o número de lojas para competir de forma mais eficiente. 

Já no varejo alimentar, há uma tendência mais evidente que desperta o interesse de investidores. A exemplo disso, a reestruturação da rede Hortifruti Natural da Terra mostrou que até operações consideradas resilientes enfrentam dificuldades diante do crédito caro e de margens comprimidas. A venda da rede alimentar, que era controlada pela Americanas e fazia parte de sua estratégia traçada no plano de recuperação judicial, avançou nas últimas semanas, com cinco interessados. Envolvidos na operação, contudo, consideram improvável que a venda ocorra pelo mesmo montante pago pela companhia anos atrás, revelando o impacto da deterioração de valor, embora o processo de reestruturação traga reais benefícios de não sucessão de dívidas. 

Ainda sobre esse segmento, de acordo com o monitor RGF, apenas no segundo trimestre de 2025 mais de 1.500 empresas do ramo entraram com pedido de recuperação só no estado de São Paulo. A exceção é o segmento de luxo, que vem registrando valorização de marcas e expansão de base de consumidores.

A deterioração do ambiente macroeconômico ajuda a explicar o cenário. A inflação persistente pressiona custos e corrói margens. Juros altos encarecem o capital de giro e dificultam a rolagem de dívidas. O crédito, mais escasso e caro, atinge empresas que dependem de financiamento de estoque e antecipação de recebíveis. A volatilidade cambial amplia o custo de produtos importados ou indexados, enquanto o repasse ao consumidor nem sempre é possível. 

Há padrões nos casos de recuperação judicial no varejo. Muitas empresas cresceram financiadas por dívidas e sem a geração de caixa correspondente. Outras falharam no controle de estoque, precificação e eficiência logística, comprometendo retornos já pequenos. Há também as que não conseguiram adaptar seus modelos de negócio ao ambiente digital ou omnicanal, perdendo espaço para concorrentes mais ágeis e leves. Soma-se a isso a rigidez de contratos de aluguel, franquia e fornecimento, amarras que reduzem a possibilidade de ajustes rápidos.

Para surtir efeito real, a recuperação exige mais do que um plano de pagamento alongado. Empresas que conseguem atravessar o processo com chance de retomada costumam combinar medidas financeiras e operacionais. A renegociação de dívidas estruturais, quando feita com clareza e planejamento, permite algum fôlego de caixa. A venda de ativos não essenciais, se realizada antes de perdas significativas de valor, pode injetar liquidez e reduzir pressões de curto prazo. 

A revisão do modelo de negócio, reforçando canais digitais, ajustando a base física e repensando o mix de produtos, torna a operação mais eficiente. A Tok&Stok, por exemplo, tenta atravessar sua recuperação com uma estratégia que combina a venda de ativos não essenciais e a reestruturação de canais digitais, movimentos que mostram como a sobrevivência depende de ajustes simultâneos nas frentes financeira e operacional. 

Outro ponto importante, e muitas vezes negligenciado, é a gestão de reputação. Empresas que se comunicam com transparência preservam parte da confiança de consumidores e fornecedores. Nesse processo, a análise jurídica é central. Nem toda empresa em crise se beneficia de um pedido de recuperação. Somente uma compreensão detalhada da composição da dívida é capaz de definir o melhor caminho. Há créditos que não são abrangidos pela recuperação, obrigações fiscais que exigem regularização com descontos e alargamentos e riscos de perda de ativos dados em garantia. 

Os próximos meses devem manter o ritmo elevado de pedidos de RJ no varejo. O ciclo atual é marcado por empresas que já passaram por renegociações ou obtiveram waivers, mas a sustentabilidade no médio prazo depende de transformações mais profundas do que planos financeiros isolados. Algumas redes, como a Casas Bahia, vêm adotando medidas de reestruturação preventiva, renegociando dívidas, ajustando a base física e redesenhando o modelo operacional como forma de evitar o caminho judicial.

Para as empresas que ainda não entraram em RJ, antecipar diagnósticos e renegociar passivos de forma preventiva pode ser a diferença entre recuperação e liquidação. Para as que já estão no processo, a lição das experiências recentes é clara: sobreviver juridicamente não é o mesmo que sobreviver de fato. A verdadeira recuperação depende de uma operação financeiramente saudável e competitiva, capaz de resistir às próximas ondas de pressão econômica que, ao menos por ora, não parecem perto de cessar.

 

 

Fonte: Migalhas.

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