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06-05-2025 

AGC deve deliberar sobre plano alternativo também na hipótese de cram downc

Uma das muitas alterações na dinâmica dos processos de recuperação de empresas realizadas pela reforma de 2020 na Lei 11.101/2005 foi a possibilidade de apresentação de plano alternativo por parte dos credores.

Desde o primeiro contato com a, então, novidade, a nossa impressão sempre foi a de que se tratava de medida bastante específica, cabível apenas em casos muito pontuais. De certa forma, o tempo que se passou desde a publicação da Lei 14.112/2020 confirma aquela percepção inicial, uma vez que se trata de expediente incomum no cotidiano das recuperações judiciais.

E antes de prosseguirmos vale um esclarecimento. Quando dissemos que o plano alternativo tem cabimento para casos mais específicos, não estávamos a criticar referida ferramenta. Ao contrário, pois é importante que a legislação também consiga dar resposta aos problemas mais complexos e menos corriqueiros. Portanto, não é sobre sermos ou não entusiastas do tema, mas apenas reconhecermos que, apesar de sua importância, a sua utilização é restrita.

De toda sorte, a proposta aqui não é tratar sobre o plano alternativo, suas condições, seus requisitos ou suas eventuais vantagens e desvantagens. Esse não será um texto sobre plano alternativo, mas sobre um ponto bastante específico que, aparentemente, tem passado despercebido em muitos processos. [1]

Rejeição pela assembleia do plano do devedor

A Lei 11.101/2005 prevê a possibilidade de apresentação de plano de recuperação judicial por parte dos credores em duas situações. De acordo com o § 4º-A, do artigo 6º, o término do prazo de 180 dias de suspensão das ações “sem a deliberação a respeito do plano de recuperação judicial proposto pelo devedor faculta aos credores a propositura de plano alternativo”.

A outra hipótese é quando o plano de recuperação judicial do devedor é rejeitado em assembleia. Neste caso, “rejeitado o plano de recuperação judicial, o administrador judicial submeterá, no ato, à votação da assembleia-geral de credores a concessão de prazo de 30 dias para que seja apresentado plano de recuperação judicial pelos credores [2]“, conforme artigo 56, § 4º, da Lei 11.101/2005.

Nem todos enxergam a hipótese prevista no § 1º, do artigo 58, da Lei 11.101/2005, como sendo de rejeição pelos credores do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor e colocado para deliberação assemblear. Da mesma forma em que há controvérsia na literatura a respeito da profundidade da decisão judicial prevista no citado parágrafo. Sobre isso, veja, por exemplo, a diferença no tratamento dado ao assunto por Fábio Ulhoa [3] — para quem há discricionariedade judicial na concessão da recuperação judicial com base no § 1º, do citado artigo 58 — e por Marcelo Sacramone [4], que sustenta não haver nenhuma margem de discricionariedade caso preenchidos os requisitos dos §§ 1º e 2º, do artigo 58, da Lei 11.101/2005.

Seja como for, independentemente da existência ou não de alguma discricionariedade judicial na hipótese do § 1º, do artigo 58, da Lei 11.101/2005, parece-nos razoavelmente claro que, caso o juiz não conceda a recuperação judicial, deverá decretar a falência. É o que, desde a reforma de 2020, está expresso na Lei 11.101/2005, em seu artigo 58-A, que prevê que “rejeitado o plano de recuperação proposto pelo devedor ou pelos credores e não preenchidos os requisitos estabelecidos no § 1º do art. 58 desta Lei, o juiz convolará a recuperação judicial em falência.”

Dito isso, soa-nos possível afirmar que, ainda que não se reconheça que a hipótese prevista no § 1º, do artigo 58, da Lei 11.101/2005, seja de rejeição do plano de recuperação judicial, o fato é que, se o juiz entender que não é o caso de concessão da recuperação judicial — pela ausência dos requisitos, por exemplo —, o efeito é o mesmo dela: a convolação da recuperação judicial em falência.

Por mais que, em dezembro deste ano, complete cinco anos da reforma realizada na Lei 11.101/2005 pela Lei 14.112/2020 [5], a situação descrita acima parece não ter sido totalmente notada, pois não é sempre que verifica que foi colocado à deliberação da assembleia de credores a possibilidade de apresentação de plano alternativo, quando, na mesma assembleia, o quórum do artigo 45 não foi alcançado, mas alcançou-se o previsto no § 1, do artigo 58, ambos da Lei 11.101/2005. [6]

Necessidade de submeter à assembleia a deliberação sobre a apresentação de plano alternativo quando alcançado o quórum para cram down

Dito isso tudo, podemos afirmar que, da mesma forma que o administrador judicial deverá submeter para a assembleia a deliberação sobre a concessão de prazo para apresentação de plano de recuperação judicial pelos credores, quando o plano nem sequer alcançar o quórum mínimo para cram down [7], também o deverá fazer quando ele, embora não tenha sido aprovado nos termos do artigo 45, da Lei 11.101/2005, contou com a expressiva adesão de credores prevista no § 1º, do artigo 58, também da Lei 11.101/2005.

E nem se diga que isso não é possível porque, neste caso, o plano “não foi rejeitado pela assembleia”. Primeiro, porque é bastante controversa essa posição [8], sendo muito crível crer que, não alcançado o quórum do artigo 45, o resultado é, sim, a rejeição do plano (tanto que a lei prevê um mecanismo para superação desse resultado desfavorável). Segundo, e certamente este é o argumento mais relevante, porque, como já falado acima, mesmo que se considere que o plano não tenha sido rejeitado, o efeito é o mesmo quando o juiz entender que não estão presentes os requisitos autorizadores para a concessão da recuperação judicial com base no § 1º, do artigo 58, da Lei 11.101/2005.

Caso o administrador judicial não aja assim, podemos ficar diante de duas situações, ambas igualmente deletérias. A primeira é o juiz, ao constatar que não estão presentes os requisitos autorizadores para o cram down, ao invés de decretar a falência, optar por convocar uma nova assembleia de credores, desta vez para deliberar sobre a concessão de prazo para apresentação de plano de recuperação judicial pelos credores.

Aliás, se a possibilidade de apresentação de plano alternativo não tenha sido colocada para deliberação, essa é a atitude que nos parece, inclusive, ser a mais acertada. E não apenas por decorrência da preservação da empresa, mas, especialmente, porque credores — e o próprio devedor — têm direito a discutir esta possibilidade antes de eventual decreto de quebra. No entanto, embora correta dentro do contexto narrado, trata-se de uma posição que, além de retardar a marcha processual, implica em mais despesas aos envolvidos. Vai na contramão, portanto, dos princípios da eficiência, da economia e da celeridade processual.

A segunda situação indevida, decorrente da não deliberação a respeito da possibilidade de apresentação de plano pelos credores, é a desequiparação gerada em contextos que são relativamente próximos.

Prazo para apresentação de plano dos credores

Como visto, caso o plano do devedor não obtenha o quórum do artigo 45 — e nem tampouco o necessário para o cram down — o administrador judicial, na mesma assembleia, deverá colocar em votação a concessão de prazo para que os credores apresentem o seu plano.

Se partíssemos da premissa de que somente nessa situação seria válida a deliberação sobre a apresentação de plano alternativo, acabaríamos nos colocando diante de um cenário no qual, embora o plano do devedor tenha alcançado expressivo quórum, a consequência seria potencialmente mais gravosa ao devedor, pois o juiz poderia vir a entender que os requisitos para concessão da recuperação judicial por cram down não estariam presentes, o que levaria à convolação da recuperação judicial em falência.

Ou seja, diante da hipótese de baixa adesão dos credores ao plano do devedor, ainda seria facultada a possibilidade de apresentação de plano alternativo — e com isso, quem sabe, a empresa poderia sobreviver. Já diante de significativa adesão dos credores ao plano do devedor, mas não o suficiente para atingir o previsto no artigo 45, da Lei 11.101/2005, ocorreria a quebra do devedor se o juiz, por exemplo, entender que o plano implica tratamento diferenciado entre os credores da classe que o rejeitou.

Não se pode admitir que em um cenário de menor adesão dos credores a consequência ao devedor seja mais branda, enquanto em um cenário de maior adesão dos credores ao plano proposto pelo devedor a consequência seja mais gravosa.

Condições para plano alternativo

As condições previstas nos incisos do § 6º, do artigo 56, da Lei 11.101/2005, para que o plano alternativo seja posto em votação, servem para corroborar com o que se está a defender no presente texto. O plano alternativo, conforme ali previsto, deve conter os requisitos do artigo 53, contar com o apoio de um número determinado de credores além de, dentre outras coisas, ser exigido como condição para que ele seja colocado para deliberação da assembleia o “não preenchimento dos requisitos previstos no § 1º do art. 58″.

Inicialmente, o artigo 56 da Lei 11.101/2005 prevê que, rejeitado o plano, será submetida para a assembleia a deliberação sobre a apresentação de eventual plano alternativo (§ 4º). Na sequência, estabelece o quórum para aprovação de tal deliberação (§ 5º). E, por fim, estabelece as condições para que o plano alternativo seja deliberado, nos termos do § 6º, que prevê que “o plano de recuperação judicial proposto pelos credores somente será posto em votação caso satisfeitas, cumulativamente, as seguintes condições”. Fica claro, portanto, que quando o juiz vai analisar se vai ou não convocar assembleia para deliberar sobre o plano dos credores ele já descartou a possibilidade de cram down.

Contudo, não podemos nos esquecer de que, para que se ventile a possibilidade de superação do resultado desfavorável da assembleia, o quórum do § 1º do artigo 58 tem que ter sido atingido, o que ajuda a mostrar que, também neste cenário, deverá o administrador judicial colocar para votação a possibilidade de apresentação de plano dos credores. Note que o dispositivo fala em “plano proposto” e, para tanto, é preciso que, previamente, a possibilidade de apresentação de um plano por parte dos credores tenha sido colocada para deliberação em assembleia.

Esse, portanto, é o percurso que deve ser seguido:

i. Não alcançado o quórum do artigo 45 da Lei 11.101/2005, o administrador judicial deverá, na mesma assembleia, colocar para deliberação a concessão de prazo para que os credores apresentem plano alternativo.

ii. Se a proposta for rejeitada, o juiz concederá a recuperação judicial se preenchidos os requisitos para cram down; caso contrário, decretará a falência.

iii. Se a proposta de concessão de prazo para a apresentação de plano alternativo for aprovada, as possibilidades variam de acordo com adesão obtida pelo plano do devedor.

iii.a. Se nem o quórum do artigo 58, § 1º, da Lei 11.101/2005, tenha sido atingido, o juiz, satisfeitas as exigências do § 6º, do artigo 56, também da Lei 11.101/2005, convocará a assembleia para deliberar sobre o plano dos credores, caso ele tenha sido apresentado no prazo de 30 dias.

iii.b. Se estiverem presentes o quórum e as demais condições para concessão da recuperação judicial por cram down, o juiz homologará o plano do devedor. Neste caso, eventual plano apresentado pelos credores não será objeto de deliberação judicial.

iii.c. Por outro lado, não alcançado o quórum e/ou não preenchidos as demais exigências para a concessão da recuperação judicial por cram down, o juiz, satisfeitas as exigências do § 6º, do artigo 56, da Lei 11.101/2005, convocará a assembleia para deliberar sobre o plano dos credores, caso ele tenha sido apresentado no prazo de 30 dias.

 

[1] Quem tiver interesse sobre plano alternativo, vale a leitura de texto publicado aqui mesmo nesta ConJur, por Manoel de Queiroz Pereira Calças e Maria Rita Rebello Pinho dias.

[2] Conforme artigo 56, § 4º, da Lei 11.101/2005.

[3] COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 14ª ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 241.

[4] SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2021, p. 333.

[5] O que, de certa forma, ajuda a demonstrar o quão açodada é a nova reforma que se pretende realizar na Lei 11.101/2005 pelo Projeto de Lei 03/2024, atualmente em trâmite perante o Senado Federal. A respeito desse perfil precipitado do PL e de suas muitas inconsistências, ver texto publicado aqui mesmo na ConJur por um dos autores do presente artigo.

[6] Fica aqui o registro de que essa é uma afirmação baseada na experiência pessoal dos autores e, como toda experiência pessoal, é limitada e passível de sofrer viés.

[7] Este não é um texto cujo objeto é a análise da concessão da recuperação judicial com base no artigo 58, 1º, da Lei 11.101/2005, de modo que a expressão cram down vai ser empregada sem que se faça a sua análise crítica.

[8] Os autores divergem a respeito da abordagem da situação em questão. Há quem fale em “rejeição do plano”, outros preferem dizer que o plano “não foi aprovado” e ainda há quem sustente que se trata de uma situação de “aprovação alternativa”. “Com o exame desses artigos relacionados, deve ser feita a conferência do resultado da assembleia geral, para que se verifique se foram preenchidos de forma cumulativa, os três incisos deste § 1º ora sob exame, e, em caso positivo, o juiz pode conceder a recuperação judicial, mesmo que o plano tenha sido rejeitado pela assembleia. Configura-se aqi o chamado cram down, termo importado do direito norte americano e sem possibilidade de tradução literal” (BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência. 15ª ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 302, grifo nosso). “A Lei 11.101/2005 atribuiu um poder soberano à assembleia geral para aprovar o plano de recuperação (desde que o seu conteúdo seja jurídico, ou seja, que seja constitucional e legal), ou para rejeitá-lo. Se um plano não é aprovado, será declarada a falência. Ressalva-se um caso: por força do artigo 58, § 1º, da Lei 11.101/2005, o juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma acima estudada […])” (MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresas. Vol. 03, 13ª ed., São Paulo: Atlas, 2022, p. 157, grifo nosso). “Em razão dos princípios que regem a recuperação da empresa, especialmente os da função social e da preservação da empresa, optou-se por criar uma forma alternativa de aprovação do plano de recuperação judicial.” (TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial, volume 3: falência e recuperação de empresas. 12ª ed., São Paulo: SaraivaJur, 2024, p. 230, grifo nosso).

 

Fonte: Conjur.

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