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29-10-2025
A limitação do direito de voto aos credores afetados pelo plano de recuperação judicial
A recuperação judicial foi concebida como um instrumento de negociação coletiva, capaz de reorganizar obrigações e permitir que as empresas em crise recuperem fôlego econômico para seguirem atuando. Ao contrário da falência, que dissolve o que foi construído, a recuperação busca recompor, reequilibrar e projetar a continuidade da atividade produtiva.
Dentro desse ambiente, a assembleia geral de credores é o coração do processo. É nela que se decide se a proposta da empresa é viável, suficiente e aceitável para o conjunto dos credores.
Nesse ponto, a legislação brasileira faz uma distinção curiosa e, ao mesmo tempo, polêmica.
O artigo 45, §3º, da Lei de Recuperação Judicial é taxativo no sentido que o credor não terá direito a voto, nem será considerado para fins de verificação de quórum, se o plano não alterar o valor ou as condições originais de pagamento do seu crédito.
Em outras palavras, só vota quem for efetivamente atingido pelas mudanças propostas no plano de recuperação judicial.
À primeira vista, a regra parece simples. Se o crédito permanece intacto, não há razão para que seu titular interfira no destino da coletividade. A assembleia deve ser reservada aos que terão direitos modificados. A lógica é cristalina, mas a prática revela nuances muito mais complexas.
‘Condições originais’ de pagamento
Afinal, o que significa “não alterar as condições originais” de pagamento?
Essas nuances mostram que a definição de quem pode ou não votar não é apenas um detalhe técnico, mas um ponto capaz de determinar o próprio rumo do processo.
Essa filtragem prévia, embora possa gerar litígios, tem um mérito inegável considerando que protege o processo de interferências desproporcionais.
Isso porque não é incomum que credores cujos créditos não são tocados pelo plano tentem votar contra, movidos mais por interesses estratégicos do que por impacto real.
Neste contexto, o artigo em questão evita que essa lógica se imponha e acaba, por via indireta, criando um ambiente mais favorável à empresa em crise.
Em alguns casos, a exclusão de determinados credores do cômputo de quórum pode facilitar a aprovação de um plano que, de outro modo, encontraria resistência. E, em outros, a interpretação mais restritiva pode inviabilizar a formação da maioria necessária.
Quem não sofre impacto não pode impor barreiras
A lógica é de racionalidade: quem não sofre impacto não pode impor barreiras a quem precisa negociar. A assembleia deve ser o espaço de decisão daqueles que de fato assumirão o ônus da reestruturação, e não de espectadores protegidos pela imutabilidade de seus créditos.
Há quem aponte que a exclusão de credores pode distorcer a representatividade da assembleia e reduzir a pluralidade de vozes.
Contudo, é preciso reconhecer que a recuperação judicial não é uma arena de reivindicações individuais, mas um instrumento de preservação de uma função social, neste caso, a manutenção da atividade produtiva.
Sob essa ótica, a limitação do direito de voto prevista não é um capricho legislativo, mas uma engrenagem essencial do sistema.
Trata-se de concentrar o poder decisório em quem realmente tem algo a perder ou a ganhar com a aprovação do plano. É um filtro de racionalidade que protege a empresa contra vetos infundados e assegura que o processo cumpra sua finalidade maior: viabilizar a continuidade do negócio, preservar empregos e manter em circulação a riqueza produzida.
Sobrevivência da empresa x interesses individuais
Em última análise, a questão não é apenas de técnica processual, mas de política econômica. Ao impedir que credores intocados bloqueiem a recuperação, a lei reafirma a ideia de que a sobrevivência da empresa deve se sobrepor à lógica fragmentada dos interesses individuais.
O voto, nesse contexto, não é apenas um direito subjetivo do credor, mas um instrumento de construção de consenso coletivo em torno daquilo que interessa à sociedade como um todo, mantê-la viva como fonte de valor.
Afinal, uma assembleia de credores não pode se transformar em palco de quem nada arrisca.
O direito de voto, aqui, deve ser reservado a quem está na linha de frente do sacrifício. É essa seletividade que confere legitimidade à decisão coletiva e que garante que a recuperação judicial não seja apenas um rito formal, mas uma chance real de soerguimento.
Sem essa limitação, a assembleia correria o risco de ser dominada por quem não tem nada a perder e quem não tem nada a perder, invariavelmente, tem pouco a contribuir.
Fonte: Conjur.
(48) 3433.8525/3433.8982