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18-09-2025 

A imutabilidade da natureza jurídica do crédito extrajudicial e a ineficácia de sua inclusão no quadro de credores

A inclusão indevida do crédito extraconcursal no quadro de credores é ato juridicamente ineficaz e não gera o ônus da impugnação, na medida em que não transmuda a natureza do crédito.

Ementa: a classificação de um crédito como concursal ou extraconcursal decorre de norma cogente, o que torna sua natureza jurídica imune a atos de vontade do devedor ou do administrador judicial. A indevida inclusão de um crédito extraconcursal na lista de credores, elaborada pela recuperanda ou pelo administrador judicial, constitui mero fato jurídico que, embora existente, é inválido e ineficaz para o fim de transmudar sua condição legal. Por conseguinte, não se impõe ao titular do crédito o ônus de apresentar impugnação, uma vez que sua inércia não convalida um ato juridicamente inepto a produzir o efeito de alterar a natureza do seu direito.

A subordinação de um crédito aos efeitos da recuperação judicial é matéria de ordem pública, definida por norma cogente e, portanto, indisponível à vontade das partes. O art. 49, §3º, e, especialmente, o art. 84 da LREF estabelecem os critérios distintivos entre os créditos sujeitos e não sujeitos ao plano de soerguimento e falência. A estabilidade dessa classificação é um fundamento do sistema, pois o tratamento privilegiado conferido ao crédito extraconcursal não é um benefício aleatório, mas um instrumento fundamental de política legislativa, cujo propósito é incentivar a continuidade do fornecimento de capital, bens e serviços à empresa em crise, viabilizando a superação de sua dificuldade.

A pretensão de que a natureza de um crédito possa ser alterada por sua simples inscrição na lista de credores elaborada pela recuperanda ou administrador judicial se mostra, portanto, como uma impossibilidade jurídica. Tal ato, analisado sob a ótica da teoria do fato jurídico, ingressa no mundo fenomênico, ou seja, no plano da existência, mas falha em preencher os requisitos do plano da validade. Um ato jurídico, para ser válido, deve estar em conformidade com o ordenamento. A declaração da devedora ou administrador judicial que classifica um crédito extraconcursal como concursal contraria frontalmente a norma imperativa que rege a matéria, carecendo, assim, de validade para o fim pretendido.

Consequentemente, por ser inválido, o ato é também desprovido de eficácia para produzir a consequência jurídica de alterar a natureza do crédito. A inclusão indevida no quadro de credores é, para esse fim específico, um ato juridicamente estéril. É inconcebível supor que a recuperanda possa se beneficiar de seu próprio equívoco para subverter a hierarquia de pagamentos e esvaziar a garantia que o legislador conferiu àqueles que são essenciais para o sucesso do próprio soerguimento.

Uma vez que o ato de listagem é ineficaz para alterar a natureza do direito, a inércia do credor extraconcursal não possui qualquer efeito de convalidação. Não se exige de seu titular o manejo de qualquer providência no âmbito da recuperação judicial, pois, como já definido pelo STJ no REsp 1.991.103/MT, os efeitos do processo, por expressa disposição legal, não o alcançam. A norma contida no art. 8º da LREF, que faculta aos interessados a apresentação de impugnação, destina-se a corrigir erros fáticos ou classificações equivocadas dentro das categorias concursais. Não se presta a convalidar um ato juridicamente impossível, como a transformação de um crédito extraconcursal em concursal por mera declaração do devedor.

O credor extraconcursal, por definição, está fora do alcance dos efeitos da recuperação. Sua posição jurídica não será alterada pela deliberação da assembleia, e seu crédito não sofrerá novação. Aliás, o titular de crédito com garantia fiduciária sequer tem direito a voto na assembleia geral (art. 39, §1º, da LREF), o que evidencia sua posição alheia às negociações do plano. A ordem jurídica não pode impor a um sujeito o ônus de se insurgir contra um ato que é, em sua essência, inofensivo ao seu direito.

A dispensa da impugnação é a consequência lógica da própria ineficácia do ato de listagem para o fim de alterar a natureza extraconcursal do crédito. A confirmação de que o crédito não se sujeita à recuperação pode ser buscada a qualquer tempo, mas a ausência dessa medida não tem o poder de submeter o credor, compulsoriamente, a um regime do qual a lei expressamente o excluiu. A higidez do privilégio extraconcursal é, portanto, absoluta, pois sua fonte decorre de lei, e não da vontade ou omissão das partes.

 

Fonte: Migalhas.

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