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24-11-2023 

A duração do processo falimentar e as tentativas de maior eficiência

Desde 2002, o Banco Mundial publica anualmente o relatório Doing Business, que fornece uma visão geral do ambiente empresarial mundial e classifica 190 países, dentre eles o Brasil, com base na facilidade para fazer negócios. Tal publicação utiliza como referência a maior cidade de cada país ou, se o país tiver mais de 100 milhões de habitantes, as duas maiores cidades.

No Brasil, a avaliação é realizada em São Paulo e no Rio de Janeiro e analisa, dentre outros temas, a “resolução de insolvência no ambiente empresarial”, sob o enfoque do tempo, custo, resultado e percentual de recuperação de insolvência comercial, assim como sob a perspectiva da destreza judicial para a resolução da problemática.

A coleta de dados para análise da capacidade de resolução de insolvência em nosso país começou a ser realizada no ano de 2007 e, desde então, evidencia um cenário alarmante no que toca à eficiência dos procedimentos previstos em nossa legislação para a resolução da inadimplência no ambiente empresarial.

Não à toa, em 2019, o Brasil foi alocado na 77ª [1] posição do ranking quanto à recuperação de dívidas, desempenho que se deve, especialmente, ao demasiado tempo estimado e a baixa efetividade dos processos de recuperação judicial e falência.

Ainda mais preocupantes foram os resultados obtidos em um estudo realizado pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ)[2], o qual demonstrou que os procedimentos falimentares ajuizados entre os anos de 2010 a 2020 demoraram, em média, 16 anos para terminar, com o pagamento de aproximadamente 6,1% do passivo apenas.

Nesse contexto, evidenciou-se a necessidade de alterações na legislação referente ao regime de insolvência empresarial, até então regulamentado pela Lei 11.101/2005, emergindo, daí, a Lei 14.112/2020, que entrou em vigor em janeiro de 2021, com o objetivo de modernizar e tornar mais eficiente o processo de recuperação judicial e falência de empresas.

Para a Secretaria Especial de Fazenda, pertencente ao Ministério da Economia, “a modernização da Lei de Falências era urgente porque as regras anteriores não auxiliavam na recuperação das empresas e geravam processos muito demorados, fosse no caminho da recuperação ou da falência dessas companhias” [3].

A reforma visou, em especial, conferir maior celeridade aos procedimentos e aumentar a probabilidade de efetiva recuperação do passivo pelos credores, criando mecanismos para que os processos de recuperação judicial e falência durem menos tempo e sejam eficientes.

O caráter de celeridade empregado pela lei de insolvência pode ser vislumbrado em inúmeras passagens da reforma trazida pela lei 14.112/2020. A falência, nos dias atuais, deixa de ser analisada em um viés puramente punitivo, sendo concebida “como um modo de o exercício de a atividade se tornar mais eficiente, com a preservação da função social da empresa” [4].

Para tanto, medidas que acarretem a celeridade do processo, a fim de permitir uma ágil liquidação e retorno do empreendedor mal sucedido ao mercado ganham relevância na legislação atual.

Um ponto de destaque da reforma da lei quanto a esta almejada agilidade do trâmite processual diz respeito à pronta alienação dos bens arrecadados (artigo 139). Impôs a lei 14.112/2020 ao administrador judicial que este proceda com a venda dos bens da massa falida no prazo máximo de 180 dias, contados da data da juntada do auto de arrecadação, sob pena de ser destituído (artigo 22, III, “j”, e artigo 142, §2º-A, IV, da lei 11.101/2005) [5].

A lentidão na realização do ativo pode representar um prejuízo significativo aos credores pois, a depender do tipo de bem arrecadado, a demora de sua venda pode implicar no desinteresse total pelos terceiros, como também tornar a coisa obsoleta e sem utilidade.

Exatamente por esta razão é que a reforma de 2020 priorizou a celeridade em detrimento da própria avaliação do bem [6]. Como bem mencionado por Fábio Ulhoa Coelho, “na alienação judicial na falência, a celeridade prevalece sobre a avaliação dos bens. É preferível a célere realização do ativo à tentativa de alcançar, na venda, o valor atribuído aos bens arrecadados […]” [7].

O parecer emitido pela Associação Brasileira de Jurimetria relata que entre a data da primeira avaliação e o último leilão, a média de duração do processo de falência é superior a cinco anos, justificando, com isso, a preocupação do legislador em criar mecanismos de acelerar a arrecadação e alienação do ativo.

A maximização do valor dos ativos passa a ser o foco da lei para se atingir a agilidade que o feito falimentar exige. Outras duas alterações legislativas relevantes são destacadas por Marlon Tomazette: (i) a de que a alienação dos ativos não dependerá da consolidação do quadro geral de credores e; (ii) que a alienação dos ativos deve considerar o caráter forçado da venda, bem como ser realizada independentemente de a conjuntura do mercado no momento da venda ser favorável ou desfavorável [8].

Diferentemente do que previa a lei de falência, não mais se fala em preço vil como forma de inviabilizar a alienação do ativo. A legislação atual, inclusive, passou a prever a possibilidade de alienação por leilão em três chamadas, sendo a primeira com lance mínimo do valor da avaliação do bem; a segunda chamada por no mínimo 50% do valor da avaliação e a terceira por qualquer preço (§3º-A do artigo 142).

Quanto ao preço das arrematações em leilão, a pesquisa da ABJ traz dado interessante no que tange à razão entre o valor arrematado e o valor da avaliação dos bens levados à leilão. Segundo a pesquisa, cerca de 40,5% dos bens levados disponibilizados ao público são arrematados. Os veículos são adquiridos, em média, por 61% do valor da avaliação, enquanto os imóveis são arrematados na média de 41,7% do valor da avaliação. Os bens imateriais aparecem com o menor valor de venda (4,7%).

A pesquisa ainda demonstrou que há um grande número de ações de falência em que não se localizam bens da devedora, sendo que apenas 25,5% dos casos que tiveram a falência decretada chegam à etapa de avaliação.

Esses números reforçam a importância da postura adotada pelo legislador na reforma da lei de falência em retomar a redação do artigo 75 do revogado Decreto-Lei 7.661/1945 por meio do artigo 114-A da Lei 11.101/2005. Da mesma forma que previa o antigo decreto, a lei em vigor autoriza o encerramento do processo de falência quando não forem encontrados bens a serem arrecadados, ou se os arrecadados forem insuficientes para as despesas do processo. Nesta hipótese, o processo será findado em razão da falta de ativos a serem liquidados.

Por fim, vale mencionar a alteração trazida no inciso V do artigo 158 da Lei 11.101/2005, que também ressalta o intuito de atribuir celeridade e agilidade ao feito falimentar. Antes de 2020, as obrigações do falido se extinguiam com o decurso do prazo de cinco ou dez anos, contados do encerramento da falência, considerando se o falido fora condenado por prática de crime falimentar, ou não.

Como bem explanado por Marcelo Sacramone, “a extinção das obrigações, ainda que não satisfeitas, permite que o falido possa retomar a desenvolver suas atividades, contraindo novos débitos e créditos. É o chamado fresh start, ou recomeço, e procura incentivar o empresário que teve insucesso a continuar arriscando e empreendendo” [9].

Visando o reingresso do falido no mercado econômico, a Lei 14.112/2020 encurtou o prazo para a extinção de suas obrigações, que passou a ser de três anos, contados da decretação da quebra.

Tal medida impõe ao próprio Judiciário e administrador judicial medidas ágeis e eficazes para a arrecadação de bens do falido, permitindo, com isso, a liquidação do ativo para a satisfação dos credores, sem impedir que o devedor volte a empreender.

Ainda que diante de apenas algumas das medidas adotadas pela Lei 11.101/2005 a partir da reforma trazida pela Lei 14.112/2020, fica evidenciado o intuito do legislador em empregar a celeridade, a eficiência e a agilidade que o processo de falência demanda, sobretudo se analisarmos os alarmantes dados destacados nos relatórios de insolvência desenvolvidos pelo Banco Mundial e pela Associação Brasileira de Jurimetria, os quais reforçam a importância da mudança dos postulados atuais, a fim de permitir uma melhor alocação dos ativos do falido e sua reabilitação para que este possa voltar a empreender.

[1] Disponível em: <https://archive.doingbusiness.org/pt/rankings>.  Acesso em: 25 out. 2023.

[2] Disponível em: <https://abjur.github.io/obsFase3/index.html>. Acesso em: 25 out. 2023.

[3] Disponível em: <https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2020/dezembro-1/nova-lei-de-falencias-vai-melhorar-os-resultados-de-recuperacoes-judiciais-no-pais>. Acesso em: 25 out. 2023.

[4] SACRAMONE, Marcelo. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. Disponível em: Minha Biblioteca, (4th edição). São Paulo: Saraiva, 2023, p. 229.

[5] Excepcionalmente poderá o juízo flexibilizar a regra contida no art. 22, III, “j” da lei 11.101/2005. Em um processo de falência em que a Auxilia Consultores fora nomeada, em substituição, como administradora judicial, cuja tramitação do feito já perdura 15 anos, feita a devida arrecadação dos bens (março/2023), publicou-se o edital contendo o auto de arrecadação, prosseguindo-se com a apresentação do plano de realização do ativo. Na oportunidade, a Administração Judicial sugeriu a forma de alienação dos bens móveis em bloco e a venda individualizada dos bens imóveis, acreditando se tratar de metodologia que implicaria melhor liquidez e eficiência. Como modalidade para a alienação, foi indicado o leilão, objetivando preservar um cenário de competição, o qual se encerraria em agosto/2020, respeitando-se o prazo de 180 dias imposto pela lei 11.101/2005. Como tratado no presente artigo, a reforma de 2020 também inovou ao possibilitar a alienação por leilão em três chamada, autorizando a arrematação do bem, em terceira chamada, a qualquer preço. Não concordando com a aplicação da regra imposta pelo §3º-A, do art. 142, da lei 11.101/2005, lograram os sócios da Falida êxito na medida liminar apresentada por meio de recurso de agravo de instrumento, o qual suspendeu os leilões, a fim de analisar, no mérito, a possibilidade de fixação de preço mínimo na terceira chamada do leilão. Na situação descrita, por razões que fugiram totalmente do controle e atuação da Administração Judicial, não foi possível cumprir o prazo de 180 dias para a alienação do ativo exigido pela legislação especializada, o que impõe ao juízo a flexibilização da regra e isenção de eventual punição ao profissional responsável ante a impossibilidade fundamentada de se cumprir o prazo legal.   

[6] Isso não quer dizer que não se deva buscar mecanismos visando atingir os preços mais elevados dos bens do falido, mas tão somente impedir a frustração por completa da alienação caso não se encontre interessados pela avaliação do especialista. 

[7] COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 14ª ed. rev. atual., ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, 465/466.

[8] TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: falência e recuperação de empresas. v.3. Disponível em: Minha Biblioteca, (10th edição). São Paulo: Saraiva, 2022, p. 227.

[9] SACRAMONE, Marcelo. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. Disponível em: Minha Biblioteca, (4th edição). São Paulo: Saraiva, 2023, p. 335.

 

Fonte: Conjur.

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